Costuma-se dizer que nunca na história do Brasil o Partido da Frente Liberal – descendente direto da extinta Arena e, mais remotamente, da UDN e do PSD – esteve fora do governo. “Há pelo menos 500 anos eles estão no poder”, brinca o cientista político Paulo Kramer. “O vice-presidente Marco Maciel (PFL), por exemplo, é o que mais manda no País. Manda pouquinho, mas manda sempre”, explica Kramer, lembrando que o pai de Maciel já era governista no início da década de 40, quando foi secretário de Agamenon Magalhães, interventor de Getúlio Vargas em Pernambuco. “Se você pesquisar, vai encontrar pais, tios, avôs e bisavôs de pefelistas no poder desde o início da história”. Pois bem, a consolidação da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (aliás, filha do ex-presidente José Sarney), como candidata do PFL à Presidência, levou o partido a uma atitude inusitada: marcar a data para sair do governo. Será em março, logo após o PSDB lançar seu candidato a presidente da República, muito provavelmente o ministro da Saúde, José Serra. Junto com Serra, outros ministros também deixarão seus cargos para concorrer às próximas eleições. E é o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), quem anuncia: “Não indicaremos o substituto de nenhum dos atuais ministros do partido.”

São quatro os ministros do PFL: José Sarney Filho (irmão de Roseana), no Meio Ambiente; Roberto Brant, na Previdência; José Jorge, nas Minas e Energia; e Carlos Melles, nos Esportes. Bornhausen já discutiu a retirada com Serra, num almoço na terça-feira 4. “Não dá para o governo ter dois candidatos. Eu ficaria com todos os ônus de ser governo, deixando os bônus para a Roseana”, argumentou Serra. O presidente do PFL concorda em gênero, número e grau. “Assim que o PSDB escolher seu candidato, como nós não abriremos mão da Roseana, o certo é deixarmos o governo.”

Pergunta: então o PFL vai para a oposição? Resposta de Bornhausen: “Continuaremos votando com o presidente Fernando Henrique. Afinal, seus projetos sempre foram os nossos e não haveria por que mudarmos de posição.” Mas ele insiste em que não haverá disfarces. “Mesmo votando com o governo no Congresso, teremos que entregar todos os cargos, diretorias de estatais, etc.” Só haveria, na opinião de Bornhausen, uma hipótese de o PFL manter os cargos administrativos: se o PSDB aceitasse fixar um critério para definição do candidato único do governo. “Um critério como o das prévias unificadas. Ou, então, se todos concordarem agora que em junho abrirão mão em favor do que estiver melhor nas pesquisas.” O presidente do PFL está empolgado com a última pesquisa do Ibope para a Confederação Nacional da Indústria. Roseana subiu de 12% para 16% na preferência do eleitorado, enquanto Lula teve apenas um ponto porcentual a mais (foi de 30% para 31%) e Serra caiu de 6% para 5%. Na pesquisa do instituto Sensus para a Confederação Nacional dos Transportes, Lula caiu de 31,8% para 27,1%, enquanto Roseana subiu de 19,1% para 23,7% e Serra foi de 4,8% para 5,5%. Mas o PSDB não aceita nenhum critério que inclua a possibilidade de desistir do candidato próprio. “Impossível abrirmos mão do cabeça da chapa, seja lá qual for a situação”, antecipa o líder do partido na Câmara, Jutahy Magalhães Júnior (BA). Bornhausen sabe disso. Também sabe que Serra já está praticamente escolhido como candidato da preferência de FHC e do tucanato: “A experiência mostra que quando todo mundo diz que uma coisa é verdade, é porque é isso mesmo.”

O último a dizer que Serra já é o candidato do PSDB foi o ministro da Educação, Paulo Renato. Ele anunciou sua desistência de concorrer à sucessão de Fernando Henrique, convencido de que o candidato será o ministro da Saúde. Nas suas conversas reservadas, Serra também já dá como certa uma vitória dentro do PSDB. Aguarda apenas o “timing” para anunciar sua candidatura. A sinalização deverá ser dada na próxima terça-feira 18, quando a Executiva do partido define as regras e a data para a pré-convenção que irá chancelar o nome do candidato. Provavelmente será marcado o dia 23 de fevereiro, um meio-termo entre o que queria a ala serrista e os simpatizantes de seu principal adversário, o governador do Ceará, Tasso Jereissati. A intenção de FHC é evitar a disputa entre os dois, convencendo Tasso a recuar. De acordo com um dirigente do PSDB, Serra deixará o Ministério para assumir a candidatura na segunda quinzena de janeiro, após lançar a nova campanha de combate ao fumo. A estratégia dos serristas é procurar inicialmente o PPB, depois o PMDB e outros partidos: “O PFL é a última etapa, que pode ser conquistada ou não”, afirma Jutahy. O líder concorda que a candidatura de Roseana Sarney força os pefelistas a deixarem o governo. Mas os tucanos, em geral, crêem que boa parte dos parlamentares do PFL ficará agarrada aos cargos. “Estão muito enganados os que pensam assim. É assunto já discutido no partido. Estamos preparados para sair”, insiste Bornhausen.

Alguns pefelistas, no entanto, não parecem resolvidos. É o caso do vice-presidente do partido, senador Francelino Pereira (MG), que já está procurando um jeitinho mineiro de continuar mordendo o osso. “Quando você deixa o governo, você pode manter lá uma pessoa muito discreta, da sua confiança, como aconteceu com o ministro Eliseu Padilha, que deixou aquele rapaz lá” (referindo-se ao secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Alderico Lima). “O PFL está dando sustentação há sete anos ao presidente Fernando Henrique. Não vamos nos constranger em ter candidato próprio e continuar no governo”, argumenta o vice-líder na Câmara, Pauderney Avelino (AM). Os dois vão provavelmente receber uma chamada de Bornhausen: “Não haverá posição dúbia. Fora do governo, teremos que entregar os cargos e ponto final.”