O esporte brasileiro cada dia faz mais sucesso no Japão. E não é apenas pelo futebol pentacampeão, que fez vibrar o estádio de Yokohama na final da Copa de 2002. O vale-tudo, outra modalidade esportiva dominada pelos brasileiros, tem projetado estrelas verde-amarelas na terra do sol nascente. Nos períodos de competição, os mais importantes veículos de comunicação do Japão e do mundo disputam espaço no aeroporto de Narita, em Tóquio, aguardando com ansiedade o desembarque do mais novo mito do ringue. Centenas de fãs também tentam chegar perto do ídolo,
a maioria com a bandeira brasileira nas mãos. Alguns curiosos perguntam quem é a celebridade prestes a desembarcar. Será Zico? Ou Ronaldo? Dessa vez o fenômeno, que vem dando show de habilidade nos modernos estádios
do Japão, é o lutador pop star Antônio Rodrigo Nogueira, de 26 anos, conhecido mundo afora como Minotauro. O frisson é tão grande que
as tevês japonesas transmitem ao vivo do aeroporto a chegada do
atleta brasileiro, para acentuar o clima de expectativa sobre o Pride,
o mais importante campeonato de vale-tudo do mundo.

É difícil imaginar, mas o supercampeão dos pesos pesados do vale-tudo – que é idolatrado pelos mais de 100 mil pagantes que lotam os estádios de futebol e beisebol onde são montados os ringues e por milhões de telespectadores – passeia pelas ruas do Brasil e, principalmente da Barra da Tijuca, onde mora no Rio de Janeiro, sem ser notado. Nada de autógrafos, presentes, nem sequer um aperto de mão. A fama que Minotauro – apelido recebido na adolescência por causa de sua força – alcançou no Oriente não se reproduz quando o brasileiro volta para casa. “O assédio dos fãs é a resposta de um trabalho bem-feito. Sou um profissional de destaque e gostaria de ser reconhecido também em meu país”, lamenta Rodrigo. A luta surgiu em sua vida por acaso. Durante a infância em Vitória da Conquista, na Bahia, ele foi atropelado saindo de uma festa. Um caminhão deu ré e passou por cima dele, quebrando diversas costelas, perfurando os pulmões e causando grave hemorragia. As sérias lesões deixaram o menino de 11 anos em coma por alguns dias e vários médicos chegaram a duvidar que ele voltaria a andar. Depois de um ano no hospital, a força de vontade venceu. Rodrigo começou a fazer judô como terapia e, em seguida, tomou gosto e entrou para o boxe, jiu-jítsu e muay thai. Em pouco tempo, renascia para fazer história no mundo das artes marciais.

Bom de briga – A fama internacional é consequência do currículo irrepreensível, recheado de vitórias espetaculares, neste esporte muito criticado pelo excesso de violência. Nos últimos dois anos, venceu todas as lutas, a maioria por finalização (imobilizando o adversário com chave-de-braço, perna ou estrangulamento). São 21 lutas e apenas uma derrota por pontos, muito contestada na ocasião. “Minha carreira deslanchou quando venci o gigante Bob Sapp, de dois metros de altura e 170 quilos de músculos. Ele é muito mais forte e cheguei a desmaiar duas vezes, quando ele me arremessou de cabeça no chão”, conta Minotauro, único a derrotar o monstro americano. A única mancha no currículo do rei do vale-tudo, como é chamado no Japão, teve como protagonista Dan Henderson, outro ídolo americano. A revanche, em 23 de dezembro de 2002, na 24ª edição do Pride, serviu para encerrar o melhor ano da carreira de Rodrigo e ratificá-lo como campeão dos campeões. Mesmo com dores no ombro e febre de 39 graus, que deixou o atleta hospitalizado até algumas horas antes da luta, a vitória foi incontestável.

Assim que o apresentador pronuncia o nome Antônio Rodrigo Nogueira, os japoneses incendeiam as arquibancadas. “Quando subo no ringue, esqueço os problemas e sei que tenho a responsabilidade de proporcionar um grande espetáculo para o público que paga caro para me ver. Não há nada que me faça desistir de lutar.” Durante as lutas de Nogueira, como é chamado pelos fãs orientais, o público exibe camisas, bonés, casacos e tudo que tenha a marca do lutador número 1 do vale-tudo. Ele já virou até personagem em quadrinhos no Japão. No fim da luta, todos correm até a passarela por onde sai o brasileiro, na tentativa de tocá-lo, apertar sua mão ou ganhar algum brinde arremessado na multidão descontrolada. Camisas suadas, toalhas encharcadas e até o protetor de boca são negociados a peso de ouro. Um entre milhares que pegam carona na minotauromania é o japonês Tsuno Kosei. Além de fotógrafo free-lancer, ele abriu uma loja de fightwear em Tóquio, só com produtos brasileiros. “Quanto mais o Rodrigo vence, mais eu faturo. Todos os produtos com sua marca que ponho
para vender acabam em segundos”, vibra o comerciante visionário.

Se acompanhar o Minotauro no Japão antes do Pride 24 já era tarefa para maratonistas com boa dose de paciência, depois da vitória as coisas realmente se complicaram. As melhores revistas e jornais japoneses estamparam a celebridade brasileira na capa. Por onde ele passa, homens, mulheres e crianças não só pedem autógrafos, mas comentam momentos das lutas com conhecimento de causa. Café da manhã com fãs, entrevistas para tevês estrangeiras e jantares com personalidades também passaram a fazer parte da atribulada agenda do campeão. Rodrigo mal consegue sair às ruas. Ele parece encarar tudo com espírito esportivo e tenta não deixar ninguém sem autógrafo ou foto. As lutas de vale-tudo – incurável paixão japonesa – são transmitidas ao vivo em horário nobre e em canais abertos de tevê. O evento pára
o país.s Quem assiste nas arenas percebe o fanatismo dos japoneses
e presencia um espetáculo rico em emoção e organização.
Famílias inteiras vibram com os combates e pagam até US$ 1,5 mil
pelos melhores lugares. Os ingressos são vendidos com muita antecedência e se esgotam rapidamente. No Brasil, a história
é bem diferente. O evento é transmitido com 15 dias de atraso,
em canais a cabo e no restrito sistema pay per view.

Emoção – Takeshi Hattori, 31 anos, é um entre muitos que acompanham de perto a carreira do lutador brasileiro. Passa o dia atrás do ídolo em busca de uma foto e de um autógrafo, sempre emoldurados e exibidos com orgulho. Takeshi não consegue conter a emoção ao lado de Minotauro e repete várias vezes a frase: “Estou realizado de poder conhecê-lo. Ele é o melhor do mundo e está para nascer o lutador que irá derrotá-lo.” A cena se repete diariamente na porta dos hotéis de Tóquio. A entrada principal fica completamente tomada. Sempre que sai ou chega, o atleta passa horas atendendo aos desejos dos fãs exaltados. A mais fiel admiradora, que chega a acampar nos saguões dos hotéis, é Eiko Miyauchi, 36 anos. Ela enfrenta três horas de ônibus diariamente para ir a Tóquio quando o brasileiro anda por lá. “Acompanho a carreira dele há quatro anos. Ele faz uma luta artística, rica em finalizações. Se ele permanecesse seis meses no Japão, eu o veria todos os dias. Não tenho muitos amigos, namorados e não me casei, tudo por causa da minha peregrinação atrás da minha paixão, o vale-tudo”, explica a torcedora.

Além do talento natural, Rodrigo constrói a superioridade física com alimentação balanceada e uma rotina de treinamento em torno de seis horas diárias. O trabalho é comandado pela equipe Brazilian Top Team, composta pelos lutadores Zé Mário Sperry, Murilo Bustamante e Luiz Alves, nomes consagrados para quem entende do assunto. “Rodrigo prefere vencer os combates no solo, o que exige muita técnica. Mas trocando golpes em pé ele também é um lutador muito duro. Sua humildade facilita na preparação física e psicológica para os grandes duelos”, conta Alves. Além do carisma, muitos se perguntam o que Minotauro tem que os outros não têm. Com a palavra, o próprio Rodrigo. “Não entro para bater, entro para vencer. Quem gosta de dar sopapos nos outros acaba levando. Por isso sempre conduzo a luta e nunca permito que ela fique violenta”, explica o atleta. A técnica refinada
que o baiano bom de briga exibe nos ringues do mundo impressiona.
“São lutas agressivas, técnicas e limpas. O público japonês gosta
assim”, complementa o companheiro de treino Zé Mário Sperry.

A mais nova sensação do Pride
na categoria peso médio é Antônio Rogério Nogueira, o Minotouro, irmão gêmeo de Rodrigo, o Minotauro.
Com uma brilhante vitória sobre o americano Gay Mezger, começou
a trilhar seu próprio caminho. “Ele
é o melhor peso pesado do mundo
e pretendo buscar o cinturão dos pesos médios”, sonha o novo
talento. Rogério tem 95 quilos,
dez quilos a menos do que o irmão.

Itakura Masakazu, 49 anos, se assume como um minotauromaníaco. Depois de uma investigação exaustiva, descobriu o local onde Rodrigo treina em Tóquio e fez
uma visita para conhecer e oferecer presentes de Natal ao lutador.
A admiração é tanta que Itakura começou a lutar jiu-jítsu há quatro anos. Foi a primeira vez que o fã conseguiu um abraço, alguns minutos
de conversa e muitas fotos. “Acompanho lutas há 11 anos e, sempre
que posso, assisto nas arenas.” Ainda curtindo o momento como uma criança ao ganhar o melhor dos presentes, Itakura ofereceu carona
para o ídolo e conseguiu jantar com ele e sua equipe. Por fim, fez questão de pagar a conta por ter sido “o dia mais feliz” de sua
vida. Por momentos tão preciosos na vida de um fã, vale tudo.