Caio Luiz de Carvalho, presidente da Embratur, diz que não entende a resistência de economistas em reconhecer o potencial turístico do País

Ele está há nove anos chefiando o turismo brasileiro. Passou por dois presidentes, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, e sete ministros, mas garante que 2002 será seu último ano no cargo. Especialista em turismo sem nunca ter sido empresário do setor, o paulistano Caio Luiz de Carvalho, 51 anos, presidente da Embratur, já comprou, e venceu, várias brigas com empresas, Estados e municípios em todo o Brasil. A primeira foi contra a “farra das estrelas”. Até 1995, o País tinha 120 hotéis classificados como cinco estrelas pela Embratur. Ao somar os de três e quatro estrelas, o total chegava a dois mil. Hoje, são 43 hotéis estrelados e apenas dez com cinco estrelas. “A vinda das redes internacionais ajudou os hoteleiros brasileiros a se modernizar e cair na real”, afirma.

Outra batalha difícil foi contra o turismo sexual. A campanha, lançada em 1997, com o apoio da Organização Mundial do Turismo (OMT), atuou tanto dentro do Brasil, com o disque-denúncia, quanto fora. Acordos com Itália, França, Alemanha e Grã-Bretanha para expulsão e processo de turistas, segundo Caio, reduziram o fluxo do turismo sexual na fonte. “Conscientizamos o setor de que esse turista não interessava”, afirma. A Embratur também fez campanhas para melhorar as condições de vida, mostrando a Estados e municípios que lixo e esgotos a céu aberto não combinam com turismo. Caio hoje comemora o crescimento e o novo status do turismo no Brasil. “Nada menos que 24% da oferta de emprego no País nos últimos cinco anos aconteceu no turismo, o que mostra a importância dessa área”, afirma. Caio também aposta em idéias simples mas criativas, como o patrocínio de dez táxis da frota de Londres que circulam pintados com propaganda do Brasil. “Foi uma idéia do ministro do Desenvolvimento Sérgio Amaral, que era embaixador do Brasil em Londres. São eficientes outdoors ambulantes”, conta.

Com esse currículo, Caio continua um nome a ser considerado pelos atuais candidatos a presidente. Mas ele jura que a prioridade agora é a família. Casado com a advogada Sílvia, que há nove anos praticamente só conviveu com o marido nos fins de semana, ele desabafa. “Minhas filhas, Juliana e Gabriela, tinham respectivamente 12 e 11 anos quando vim para cá em novembro de 1992, no governo Itamar. Hoje as duas são universitárias. Vi muito pouco disso”, comenta. Antes de encerrar o ano, no entanto, ele anuncia nesta entrevista a ISTOÉ uma nova briga, desta vez contra os hoteleiros que viram na crise do turismo internacional, causada pelos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, uma oportunidade de aumentar os preços. “É uma burrice. É matar a galinha dos ovos de ouro”, ataca.

ISTOÉ – Os atentados nos Estados Unidos causaram um verdadeiro caos no turismo em todo o mundo. O Brasil se beneficiará dessa situação?
Caio Luiz de Carvalho

A tragédia do dia 11 criou uma nova ordem. A própria Organização Mundial do Turismo refez as metas de crescimento — de 3,5% para apenas 1,5% em 2001. Mas o Brasil deve sair lucrando. O brasileiro, que já tinha o dólar caro como obstáculo para viajar ao Exterior, passou a se preocupar com atentados. Houve ainda a melhoria das condições de infra-estrutura no País. Mais ainda: o sul-americano, que já era discriminado nos aeroportos internacionais, ficou ainda mais visado. Vamos ter o brasileiro e parte significativa dos 12 milhões de sul-americanos que viajam anualmente para fora de seus países escolhendo o Brasil como destino de férias. Para essa temporada, serão três milhões de sul-americanos, argentinos na maioria, aqui.

ISTOÉ – E temos ainda os cruzeiros marítimos, que estariam deixando o Caribe e vindo para o Brasil?
Caio Luiz de Carvalho

Sim, a queda de vendas dos cruzeiros partindo de Miami foi brutal. E nós saímos lucrando. Esta será a maior temporada no Brasil desde o fim da reserva de mercado na cabotagem em 1996. Teremos em nossa costa nada menos que 104 cruzeiros.

ISTOÉ – E o turismo europeu? Há aumento no fluxo para o Brasil?
Caio Luiz de Carvalho

A estrela deste ano é a TAP, que está com 28 vôos semanais para o Brasil, voando, além do Rio e São Paulo, para várias capitais do Nordeste. O fluxo de portugueses nos últimos três meses chegou a dez mil em Fortaleza e Recife. Nem o assassinato de um grupo de portugueses em Fortaleza – crime comandado por um português – afetou a movimentação turística de Portugal para cá. Na Europa, o Brasil é moda. Só nós ainda não descobrimos isso.

ISTOÉ – O aumento do turismo interno é uma realidade. Mas estão subindo os preços dos hotéis para o Natal e o Ano-Novo. Isso não é ruim?
Caio Luiz de Carvalho

Hoje não existe controle de preços, mas estamos atentos a isso. É um momento único, em que o objetivo de todos tem de ser fidelizar o turista brasileiro, fazer com que ele, nas próximas férias, escolha de novo o Brasil. Ocorreu mesmo um aumento entre 12% e 22% nos preços, que pode ser atribuído à alta temporada e que deve ser revisto a partir de janeiro. E outro aumento de 35% nos resorts, no turismo de luxo. Mas, depois do Réveillon, os preços cairão. Afinal de contas, o setor não esqueceu o Réveillon de 2000, quando quem subiu demais os preços teve prejuízo. É burrice não cobrar preços justos. É como matar a galinha dos ovos de ouro.

ISTOÉ – Quais são os dados do turismo este ano e a previsão para 2002?
Caio Luiz de Carvalho

Vamos ter até o Carnaval nada menos que 50 milhões de brasileiros viajando pelo Brasil. Em 1998, eram 38 milhões. Destes 50 milhões, 17 milhões vão em férias, um aumento de mais de 15% em relação ao ano passado, quando viajaram 14 milhões pelo país.

ISTOÉ – E o coco na praia, não vai custar o dobro do preço do ano passado?
Caio Luiz de Carvalho

Isso ainda pode acontecer, mas já há uma mudança de consciência. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o governo distribui no aeroporto e outros locais de chegada de turistas uma lista de preços para orientação. E está funcionando. Ceará, Santa Catarina, Bahia, Paraíba têm iniciativas semelhantes. Isso é uma defesa contra a exploração. Os comerciantes e prestadores de serviço sabem que as listas existem e adequam seus preços.

ISTOÉ – Apesar do aumento de preços, os hotéis se incluem nessa nova mentalidade?
Caio Luiz de Carvalho

Claro. Há cinco anos, tínhamos a farra das estrelas, com 120 hotéis cinco estrelas, mais do que a França e os Estados Unidos juntos. No total, eram dois mil hotéis estrelados, uma coisa absurda. Em cinco anos, conseguimos classificar 43 hotéis com três a cinco estrelas, sendo apenas dez com cinco. A classificação de uma e duas não existe no momento. Houve críticas e resistências, mas, junto com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, refizemos a coleta e análise dos dados. E, com as sugestões dos hoteleiros, o novo modelo ficou ainda mais rigoroso.

ISTOÉ – Na Europa e nos EUA, é possível ficar em um três-estrelas barato e de qualidade. Este novo estilo vai chegar ao Brasil?
Caio Luiz de Carvalho

Já chegou. A rede Íbis, do grupo francês Accor, tem vários hotéis funcionando. E a rede Formula One também inaugurou suas primeiras unidades. São grupos internacionais que trazem um novo padrão de atendimento que pode ser adotado pelo empresário brasileiro com sucesso. Teremos os resorts, para atrair o turista internacional, e o que chamo de pequenos grandes hotéis.

ISTOÉ – No Brasil, a construção de hotéis, a ?urbanização? de praias e áreas de interesse turístico muitas vezes significa destruição. As novas exigências de proteção ambiental da Embratur mudam esse quadro?
Caio Luiz de Carvalho

Turismo é, em termos mundiais, a indústria que processa recursos naturais, culturais e humanos sem desgastá-los, de forma articulada, planejada, procurando realizar o sonho do turista e promover o desenvolvimento sustentado local. Houve um forte investimento na infra-estrutura e um trabalho de conscientização. Fizemos campanhas em favor do saneamento básico e contra os grafiteiros. Mostramos que o turista não vai a lugares onde exista lixo nas ruas, esgotos a céu aberto e prédios e monumentos pichados. Além disso, incentivamos a melhoria da qualidade dos serviços, com treinamento da mão-de-obra. A verdade é que acreditávamos em Papai Noel, achávamos que a beleza das praias bastaria. Hoje, a realidade é outra.

ISTOÉ – Se o turismo é mesmo o modo mais rápido de um país se desenvolver e captar recursos externos, conforme se prega, por que não é uma prioridade no Brasil?
Caio Luiz de Carvalho

A miopia de alguns economistas me surpreende. Nosso produto de exportação mais competitivo é o turismo. Quando um alemão toma uma latinha de guaraná em uma praia do Nordeste, estamos “exportando” uma latinha de guaraná. Um turista estrangeiro gasta, apenas em consumo, cerca de US$ 900 em 13 dias de permanência no Brasil, fora despesas de transporte. Ano passado, eles trouxeram US$ 4 bilhões para o País. Esta é a terceira receita de exportação do Brasil. França e Espanha encaram o turismo como produto de exportação e de entrada de divisas. Segundo a OMT, cada dólar investido em turismo gera seis dólares de retorno. O resultado é que cinco turistas estrangeiros no Brasil garantem o emprego de um brasileiro por um ano. Até 2002, o investimento apenas na área de hotelaria e resorts chegará a US$ 6,5 bilhões, o que deve gerar 140 mil empregos diretos e 420 mil empregos indiretos. O turismo é a indústria do futuro no Brasil. Foi responsável por 4,4 milhões de empregos diretos em 1999 e por 24% da oferta de emprego nos últimos cinco anos, com salários 4% acima da média nacional. Não há fábrica de automóveis que traga tantos benefícios.

ISTOÉ – A França, com 73 milhões de turistas/ano, e a Espanha, com 46 milhões, são exemplos de países que investem e faturam com o turismo. O que o Brasil pode aproveitar dessa experiência?
Caio Luiz de Carvalho

Na OMT, participei dos estudos estratégicos do turismo mundial para 2020. Hoje temos 560 milhões de viagens internacionais e daqui a 20 anos teremos 1,5 bilhão. Atualmente, 80% dessas viagens são de curta distância, até seis horas de vôo. Em 2020, a proporção será de 76% e 24%. No Brasil, tirando os vôos diretos do Nordeste para a Europa, os vôos internacionais estão na menor fatia. Na França, dos 73 milhões de turistas que visitaram o país ano passado, 93% são europeus. Dos 47 milhões que foram à Espanha, 86% também são da Europa. A lição é que temos de buscar o turista sul-americano, que está perto de nós. É fundamental aumentar o mercado interno, que é poderosíssimo. Estamos em 27º lugar no ranking mundial de recebimento de turistas mas, no faturamento, subimos para o 12º. Isso se deve ao mercado interno. Ele tem que ser valorizado, com ênfase no consumidor. Turista explorado não volta.

ISTOÉ – O brasileiro era avesso ao agente de viagem por considerá-lo um fator de encarecimento das viagens. A proliferação dos pacotes promocionais mudou essa impressão?
Caio Luiz de Carvalho

O agente de viagem é o melhor parceiro que o turista pode ter. Ele tem poder de negociação, consegue preços melhores. No turismo interno, eles são um fator decisivo para que o brasileiro conheça cada vez mais seu país. O setor está cada dia mais forte e o caso da Soletur, que quebrou recentemente, é a exceção que confirma a regra. Eles sofreram de miopia aguda, apostando no mercado externo, no chamado turismo emissor. Com a crise internacional, ficaram sem saída. Em 1998, metade dos pacotes turísticos vendidos no Brasil era para o Exterior. Ano passado, 70% dos pacotes já eram para o turismo interno. Quem não percebeu isso foi para o buraco.

ISTOÉ – O turismo de negócios responde por 70% das viagens de avião no País. Isso justifica a classificação de São Paulo como cidade turística?
Caio Luiz de Carvalho

São Paulo é o maior emissor e receptor de turistas do país. A inclusão de São Paulo como cidade turística para ter cotas menores de racionamento pelo Comitê de Gestão da Crise Energética era óbvia. E, para surpresa minha, teve gente de prestígio na mídia que ironizou isso, talvez por desconhecimento. O turista estrangeiro de negócio gasta US$ 150/dia quando participa de congressos e feiras, quase o dobro do turista comum, que gasta US$ 90. O Rio foi inteligente ao se equipar para pegar uma fatia desse mercado. Hoje, o Riocentro, por exemplo, está com a agenda tomada até 2010. E, mais importante, o carioca recuperou sua auto-estima.

ISTOÉ – O Brasil era marcado como pólo do turismo sexual. Como está a situação hoje?
Caio Luiz de Carvalho

Eu me orgulho de ter conseguido reverter esse quadro. Desde 1997, atacamos o problema em várias frentes. Primeiro, com a campanha do disque-denúncia. Depois, com acordos feitos com Itália, França, Alemanha e Grã-Bretanha, que eram os principais emissores, determinando que o turista sexual que fosse pego no Brasil seria deportado e processado em seu país. Também transformamos os hoteleiros em aliados, fazendo-os perceber que esse turista no fundo dava prejuízo, gastava pouco e ainda manchava a imagem do Brasil no Exterior.