Como o cineasta americano John Ford colocou no clássico O homem que matou o facínora, em termos jornalísticos “quando a lenda supera a realidade, imprima-se a lenda”. A idéia cai como uma luva quando se trata da americana Madeleine Peyroux. A cantora, de voz idêntica à de Billie Holiday, faz uma grande turnê pelo País, passando por São Paulo (dias 20 e 23), Curitiba (dia 21), Porto Alegre (dia 22), Belo Horizonte (dia 25) e Rio de Janeiro (dia 26). Segundo a lenda, Madeleine teria vivido com músicos de rua em Paris antes de estrear em 1996, aos 22 anos, com Dreamland. Trata-se de um álbum delicioso, garantia de sucesso. Em vez de acontecer, a garota sumiu da face da terra, reaparecendo no ano passado com Careless love para ser novamente abduzida.

Apaixonante, não? Só que não é bem assim. Nascida em Athens, Geórgia, a mesma cidade de Michael Stipe e seus amigos do R.E.M., Madeleine morou em Nova York, na Califórnia e em Paris. Com os pais. A única vez em que se meteu com músicos de rua foi aos 15 anos, voltando de Londres para a capital francesa. Seu disco de estréia serviu de pretexto para apresentações no festival feminista Lilith Fair, turnês com Cesária Évora e Sarah McLachlan e uma série de gravações nunca aproveitadas. Desiludida, Madeleine voltou aos Estados Unidos, onde conheceu o guitarrista William Galison. Os dois namoraram, tocaram em bares no circuito Los Angeles–Nova Orleans–Nova York e gravaram Got you only on my mind, um demo de sete faixas que Madeleine apresentou como seu à gravadora – pois nunca deixou de ser ligada a alguma. O disco, igualmente incensado por quem ouviu, tornou-se cult, uma vez que Galison a processou. Para completar, Madeleine submeteu-se nesse meio tempo a uma cirurgia para remover um cisto na garganta.

Seja como for, a medicina não alterou a qualidade vocal de Madeleine. Seu segundo disco parece que saiu no dia seguinte ao primeiro. Os arranjos ficaram ainda mais apurados e castiços, como se a cantora deixasse de se preocupar em ser comparada à Lady Day e começasse a se soltar. Se em Dreamland homenageou Edith Piaf com La vie en rose, em Careless love gravou J’ai deux amours, do repertório da igualmente expatriada Josephine Baker. Depois de interpretar Bessie Smith em 1996, agora encara altiva nada menos que Leonard Cohen e Bob Dylan, com a mesma desenvoltura com que canta suas próprias composições. Esquisita ela é. Sua primeira apresentação no Brasil será em um restaurante japonês paulistano, o Jam Warehouse, com ingressos a R$ 450. O local foi escolhido pelo produtor da turnê, quando levou Diana Krall para jantar lá em janeiro deste ano. Madeleine Peyroux estava se apresentando na Macedônia quando concordou em falar a ISTOÉ. No dia e horário combinado, não estava no hotel em Skopje e os funcionários a chamavam pelo nome e não pela identidade secreta que mencionou – Alice Claw. Imprima-se, então, a lenda.