EFE/Nasa

Depois do fiasco de sua expedição a Marte, no ano passado, quando a nave Beagle 2 silenciou ao cair em solo marciano, a Agência Espacial Européia (ESA) enfim deu seu grande passo em direção ao universo inexplorado. Foram décadas como terceira colocada na corrida espacial, atrás dos Estados Unidos
e da Rússia. Na semana passada, cientistas de 17 países europeus munidos
de seus cálices de champanhe brindaram a chegada bem-sucedida da sonda Huygens, que viajou sete anos até mergulhar em Titã, a maior e mais instigante
das luas de Saturno.

Fruto da cooperação entre a ESA e a agência espacial americana Nasa, a viagem ao planeta gasoso é a mais ambiciosa empreitada da raça humana. Mobilizou 260 cientistas e pode ajudar no estudo da origem da vida na Terra, há 4,5 bilhões de anos. Totalmente controlada a distância, a missão Cassini-Huygens foi batizada em homenagem a dois astrônomos europeus do século XVII, cujas observações revelaram os anéis e as primeiras luas saturninas.

Coube aos EUA a construção e operação do módulo espacial Cassini, que desde 1º de julho está na órbita de Saturno, onde analisa a composição química e tira fotos dos satélites. Foram as lentes da Cassini, aliás, que flagraram as mais belas imagens dos famosos anéis de gelo, que abraçam o segundo maior planeta do sistema solar.

Aos especialistas europeus coube o projeto e a operação da sonda robótica Huygens, geringonça de três metros de diâmetro que partiu da base de lançamento da Flórida, EUA, em outubro de 1997, na garupa da nave Cassini. Na sexta-feira 14, ela usou seus três pára-quedas para amparar o pouso na misteriosa superfície de Titã, até então desconhecida em razão de sua espessa camada de nuvens e neblina.

Nem tudo correu conforme o previsto. Um dos canais de transmissão de dados da Huygens parou de funcionar e em vez de 700 imagens ela enviou 350. Ainda assim, é informação suficiente para pelo menos uma década. “Vamos trabalhar muito duro nas próximas horas e dias”, disse David Soughwood, diretor de ciência da agência européia. “São dados para a posteridade.” Duas horas depois de chegar a Titã, a sonda ainda transmitia dados sobre o satélite.
Nasa

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Cenário alienígena: As primeiras imagens enviadas à Terra mostram
que a cor da superfície de Titã é laranja-pálida. Acima, uma montagem
de fotos em preto-e-branco reconstitui a paisagem onde a sonda pousou

Saturno e seu sistema de anéis servem de modelo em miniatura para os discos de gás e poeira cósmica que circundaram o Sol nos primórdios da formação dos planetas. Por isso, compreender sua dinâmica pode ajudar a decifrar como cada planeta do sistema solar evoluiu. “Titã é como uma máquina do tempo nos levando ao passado para ver como a Terra pode ter sido”, explicou Dennis Matson, o cientista de projeto da Cassini no laboratório de propulsão a jato da Nasa em Pasadena, Califórnia. Huygens é a primeira nave a descer na superfície de um satélite de outro planeta. E a mais remota operação de uma sonda robótica.
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Cenário alienígena: As primeiras imagens enviadas à Terra mostram
que a cor da superfície de Titã é laranja-pálida. Acima, uma montagem
de fotos em preto-e-branco reconstitui a paisagem onde a sonda pousou

As imagens feitas a 160 quilômetros do solo revelam uma uniforme mistura de metano com nitrogênio na estratosfera. Os controladores da Huygens em Darmstadt, na Alemanha, ainda tentam desvendar onde a sonda pousou, se sobre pedras, gelo composto pelo gás metano ou um oceano de elementos químicos. O sinal da sonda européia é monitorado por uma rede global de telescópios espalhados na Terra, que vão ajudar a reconstruir sua trajetória.

Na descida a Titã, a sonda gravou os sons de possíveis trovões e relâmpagos. Outros instrumentos deram detalhes sobre a textura da superfície: o solo em Titã lembra areia molhada ou argila coberta por uma fina crosta sólida. Sua composição é uma mistura de gelo sujo e outros hidrocarbonetos, que resulta num solo escuro.

Pelo que se viu nos primeiros flashes, a paisagem em Titã foi modelada pela erosão, com canais de drenagem e linhas que lembram uma costa litorânea. A questão é saber que tipo de oceano era esse. Titã é o único satélite no sistema solar com atmosfera tão espessa quanto a de um planeta. O que mais intriga os cientistas é a presença de compostos químicos como o nitrogênio, também achado no manto que cobre a Terra. E a atmosfera rica em compostos orgânicos, que aqui na Terra seria um forte indício de vida. Assim como Marte e Europa, a lua que orbita Júpiter, Titã é hoje o principal foco de atenção de quem se dedica a buscar vida fora da Terra.
 


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