Em junho do ano passado, quando o dólar vivia seus últimos dias em torno dos R$ 2,50, as apostas de muita gente do mercado financeiro apontavam para uma cotação de
R$ 3,30 na eventualidade de Lula vencer as eleições e tomar posse como presidente da República. O terrorismo financeiro-eleitoral campeava livre. Até um “lulômetro” chegou a ser criado para “calcular” o valor da moeda americana de acordo com a posição do então candidato do PT nas pesquisas. Bingo.
O mergulho histórico do dólar nos primeiros dias do novo governo
confirma as apostas, mas pela via inversa. Em vez de salto, houve
um recuo do movimento especulativo do último semestre do ano
passado que levou o dólar a esbarrar em R$ 4. O primeiro dia útil
do ano nasceu com a moeda americana cotada a R$ 3,53. Na quinta
-feira 9, a cotação já havia se estabilizado em R$ 3,31. Dos seis
pregões que aconteceram desde a posse de Lula até então, cinco terminaram com o real valorizado frente à moeda americana.

Quem colocou de vez o dólar em seu novo patamar foi
o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Durante sua
posse, na terça-feira 7, que lotou dois auditórios com a presença
de mais de 1.500 pessoas, a cotação só fez cair. Os agentes
do mercado financeiro estão adorando a postura austera de
Meirelles e de seu chefe, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

“O papel do Banco Central é adotar a taxa de juros necessária
e suficiente para atingir a meta de inflação. E o faremos”,
afirmou o substituto de Armínio Fraga no comando monetário.
O recuo da moeda americana contribui para a tarefa, já que
o surto inflacionário do ano passado foi quase todo creditado
à escalada cambial. Com o dólar estável – um objetivo que virou
uma obsessão de Palocci –, controlar o dragão fica mais fácil.

Um dia antes de Meirelles tomar seu assento, a cotação já
havia recuado para R$ 3,35, com as notícias de que grandes
captações de bancos brasileiros estavam acontecendo no Exterior
com relativa facilidade. O risco-país também acompanhou o rápido movimento de recuperação do dólar. Os 2,4 mil pontos verificados
em setembro viraram 1,2 mil pontos na primeira semana de janeiro.
O principal título da dívida externa brasileira, o C-Bond, pegou
carona e se valorizou quase 3% só na segunda-feira 6.

“Os investidores começaram a refazer suas posições levando em conta a redução das incertezas políticas e dos discursos de austeridade das novas autoridades”, diz o diretor da Bolsa de Mercadorias & Futuro (BM&F), Noênio Spínola.
O otimismo ficou estampado nos painéis da BM&F ao longo da
primeira semana do ano. O chamado “dólar futuro” esteve cotado em torno de R$ 3,32 para fevereiro. O que se traduz numa perspectiva de estabilidade para as próximas semanas e numa prova de que os tempos de alucinação cambial do período eleitoral acabaram em definitivo. Naquela época, o dólar futuro mais de uma vez foi cotado com valor inferior ao da cotação do dia, numa prova de que nem o mercado acreditava na sustentação daqueles valores irreais por muito tempo.

Apesar dos cordiais laços que unem o mercado à nova equipe econômica, ainda há diversos pontos de incerteza que podem dissipar, com um
sopro, a onda de otimismo. “Essa velocidade na melhoria das condições do mercado não se sustenta sem um fato novo, como uma boa negociação com o Fundo Monetário Internacional ou a nova política de juros”, diz a economista da consultoria Tendências Maristella Anssanelli. “Mesmo que tudo dê certo, será um ano difícil”, prevê, injetando uma
boa dose de realismo na análise do cenário. Por enquanto, em tempos
de paz, tudo está mesmo dando certo para Palocci e seus comandados. Resta saber como ficará a relação quando alguma batalha começar.

FORÇA HISTORICA

O dólar tem o caminho aberto para cair ainda mais e se estabilizar
em torno dos R$ 3. A afirmação não é mais um palpite de economista, mas sim uma constatação histórica. Um estudo produzido pela ABM Consulting, de Ribeirão Preto, atualizou a valores do mês passado
a cotação do dólar dos últimos 32 anos, aplicando as inflações brasileira e americana do período aos preços de época. O resultado
é uma importante ferramenta de análise e uma fonte de curiosidades. É possível, por exemplo, saber quanto valia a moeda americana no
dia do afastamento de Fernando Collor de Mello (R$ 3,02, em 2 de outubro de 1992), relembrar os tristes dias do governo Sarney, quando o dólar atingiu seu pico nessas últimas décadas (R$ 4,57, em junho
de 1985), ou mesmo perceber o tamanho da ficção cambial produzida nos quatro primeiros anos do governo FHC, uma época em que a cotação era fixada pelo Banco Central e chegou a R$ 1,77 em fevereiro de 1995 (R$ 0,84 em dinheiro de então). Excetuando-se períodos de artificialismo como esse, chega-se a uma média histórica de R$ 3,04 no período. “Se o Brasil vier a crescer, como se espera,
é muito provável que o dólar inclusive baixe desse ponto”, diz o analista Alan Arinovic, um dos autores do estudo. Que assim seja.