Nos corredores do Hospital do Câncer, em São Paulo, crianças e adultos em tratamento médico circulam lado a lado com alguns dos maiores expoentes da pesquisa mundial. Com alguma freqüência, as revistas científicas mais renomadas do mundo publicam seus estudos de ponta, que logo depois são aplicados no dia-a-dia dos consultórios. Um desses avanços foi a investigação das raízes genéticas por trás dos tumores malignos. Daí surgiram resultados práticos, como o método para diagnóstico precoce do câncer de estômago – um dos que mais fazem vítimas no País –, que nos primeiros estágios pode ser confundido com uma indigestão.

Para a surpresa de muitos, os brasileiros despontam na linha de frente como os que mais destrincharam genes envolvidos na doença. Orgulho nacional em produção científica, o hospital se tornou uma escola formadora de excelência. Seu curso de pós-graduação foi um dos poucos a receber nota máxima da Capes, a instituição governamental que avalia as escolas formadoras de mestres e doutores.

A experiência do maior hospital é exemplar por dois motivos. Primeiro, porque a ousadia e a determinação, duas de suas marcas, lançaram os brasileiros numa disputa na qual os americanos reinavam sozinhos. O segundo motivo é sintoma de um mal maior: o hospital é uma das raras exceções por ser uma instituição privada que produz ciência de vanguarda sem usar apenas dinheiro público. “Nos países desenvolvidos, quase toda a inovação é financiada pela indústria privada, mas no Brasil só 5% da pesquisa é feita fora das universidades públicas”, reclama Eduardo Krieger, presidente da Academia Brasileira de Ciência.

Os números são gritantes. Enquanto no Brasil um quarto dos 50 mil cientistas trabalha em instituições públicas, nos EUA esse número é o contrário, 80% dos especialistas dão expediente em empresas. O mesmo se repete na União Européia, na China e na Coréia do Sul. Essa inversão, somada ao minguado investimento do governo em pesquisa, em parte explica nossa reduzida capacidade de converter conhecimento em geração de riqueza, empregos e exportação.

Uma pesquisa recente diagnosticou o tamanho desse mal. Apenas 1,7% das indústrias nacionais revelam alguma capacidade inovadora. Nos últimos anos, só 177 delas produziram coisas originais e inovadoras para vender ao Exterior. “A burocracia, a alta taxa de juros e a falta de crédito criam um ambiente desfavorável para o empreendedorismo, que é a mola-mestra do progresso”, diz Rodrigo Loures, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Talento e determinação os brasileiros têm de sobra. Além da pesquisa do câncer, destacam-se a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Embraer e a Petrobras, a empresa nacional que mais registrou pedidos de patente nos EUA para garantir direito autoral sobre suas descobertas. O problema é a comparação com outros países. Em quatro anos, a Petrobras registrou 55 patentes nos EUA, enquanto a coreana Samsung garantiu seus direitos sobre cinco mil invenções.

Um dos males nacionais é a dificuldade para criar conhecimento relevante a ponto de virar patente. “Patente não é só coisa de raio laser, genoma e DNA, é qualquer idéia que tenha uma perspectiva de ser negociada”, explica Carlos Brito Cruz, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A falta de infra-estrutura nacional tem sua parcela de culpa. Hoje há uma lista de 400 mil produtos e 600 mil marcas à espera de análise dos técnicos do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi). Uma nova tecnologia pode levar até oito anos para virar marca registrada.

Quem pode sofrer isso na pele são os 550 pesquisadores dos 110 institutos de pesquisa que trabalham no Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTD). Criado para competir com as tecnologias européia, americana e japonesa, o sistema vai transmitir imagens de tevê em qualidade de cinema e permitir que o telespectador escolha o ângulo da câmera em seu celular, na tevê comum ou numa tela de alta definição, explica o paulista Marcelo Zuffo, responsável pelo terminal de acesso da tevê.

“O problema brasileiro é cultural, achamos que tudo o que vem de fora é melhor”, diz Ozires Silva, ex-presidente da Embraer e hoje à frente da Pele Nova, empresa nacional criadora do Biocure, curativo feito à base de um polímero vegetal que regenera músculos e nervos e funciona como um ímã que estimula a circulação sangüínea e a cicatrização. “Se o Biocure fosse estrangeiro, faria sucesso no Brasil”, diz. Como não é, Silva pretende instalar uma fábrica em solo americano para vender ali um produto legítimo Made in USA. “Eles têm orgulho de comprar o que foi feito por eles. Por que não somos assim também?”, questiona.

O Brasil tem boas idéias, mas em geral morre na praia por falta de uma política de investimento e estratégia que elejam a pesquisa como prioridade. “Nenhum país avança sem investir em ciência e tecnologia”, disse o presidente Lula na abertura da 3ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, na semana passada, em Brasília, em meio ao furacão Palocci. “O papel de vocês (cientistas) é cobrar e cobrar o governo. Se o Brasil não der um salto tecnológico, demoraremos para atingir um grau de competitividade e importância que o País poderia ter”, disse. Seu clamor teve efeito imediato. Nos três dias de conferência, alguns dos nomes mais premiados da ciência nacional reivindicaram mais verbas, atenção e prioridade. Se o Planalto Central vai dar ouvidos, quase todos duvidam.