Muitas vezes acusada de ortodoxia excessiva, a dupla Pedro Malan e Gustavo Franco simbolizou a política econômica do Plano Real. Como teria sido a condução da economia se ambos não fossem os donos do leme? Pouca gente sabe, mas isso esteve perto de acontecer. No segundo semestre de 1998, o debate sobre a questão cambial (quando, como e se o real deveria se desvalorizar) pegava fogo. A dupla Malan/Franco insistia na manutenção da moeda valorizada enquanto outra equipe, liderada pelo então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e o à época presidente do BNDES, André Lara Resende, preferia uma grande desvalorização cambial. Com mais afinidade com as propostas desenvolvimentistas de Mendonça de Barros, FHC apoiou seguidas reuniões de uma equipe econômica “paralela”, que deveria assumir no segundo mandato de seu governo, tendo à frente Mendonça de Barros no futuro Ministério da Produção. Era isso o que deveria ter acontecido, não fossem os famosos grampos do BNDES que desconectaram Mendonça de Barros e Lara Resende do governo. E quem se lembra dos incidentes das parabólicas, em 1994, quando foram captadas inconfidências do então titular da Fazenda, Rubens Ricupero? O episódio foi tão perigoso para o Plano Real que o sempre comedido Pedro Malan soltou um “Puta merda. Foi tudo para o espaço”, ao saber do episódio.

Essas e outras histórias do plano econômico que estabilizou a economia do Brasil e livrou o País da inflação estão no livro A real história do Real (Record), da jornalista Maria Clara do Prado. Ela tem conhecimento de causa para contar os bastidores do plano, pois foi a responsável por sua divulgação entre 1994 e 1995. Para aceitar a tarefa, a única exigência foi de ter acesso às reuniões da equipe de economistas. Ponto crucial para um plano complexo, cuja grande sacada (a moeda virtual indexada, a URV) teria de ser bem entendida pela população para ter sucesso. Detalhado, inclusive com diálogos entre os principais personagens, e sempre atento às teorias da economia (por vezes peca no “economês”), o livro é um saboroso relato das entranhas do poder que, à época, decidia o futuro do Brasil. Destaque também para o capítulo que descreve as crises do real, em especial a questão cambial (segundo ela, “o aspecto mais crítico do plano”).