Em tempos de corrida pela clonagem humana, tema de debates científicos e até de novela das oito, algumas pessoas podem falar do assunto com um misto de autoridade e orgulho. São os gêmeos idênticos, por definição, os únicos clones humanos perfeitos existentes na natureza. Alvo de curiosidade e de inúmeros estudos, eles vivem metidos em situações embaraçosas, em que a semelhança ora ajuda, ora atrapalha. Agora várias dessas crendices e confusões podem ser vistas no cinema. Gêmeos é o tema do documentário Carrego comigo, do cineasta carioca Chico Teixeira. Trata-se de um verdadeiro tratado sobre a individualidade, que estreou esta semana em São Paulo.

Parte de um seleto grupo que inclui um em cada cinco mil habitantes do planeta, gêmeos monozigóticos ou univitelinos são objetos de estudos desde o século XIX. Por se originarem de uma mesma célula, que se divide e cria dois seres com o mesmo DNA, cada par carrega as mesmas características genéticas. Quando crianças, os paulistanos Fernando e Cássio Valdujo, 22 anos, confundiam os próprios pais. Para identificá-los, a mãe adotou a técnica de só vestir o primeiro em tons de azul. “Certa vez, aos dois anos, estávamos no bagageiro da Belina do meu pai, quando ele freou bruscamente. Fernando saiu rolando no carro e minha irmã Paula, um ano mais velha, se desesperou: ‘o azulzinho!’, ‘o azulzinho!’.” A história virou folclore na família e até hoje os dois não saem com roupas parecidas. Contudo, sempre enfrentam perguntas infames do tipo: “Se bater em você, seu irmão sente?” ou a velha máxima “Vocês são gêmeos?”. A convivência estreita os fez combinar em alguns aspectos: frequentam o mesmo grupo de teatro, montaram uma banda e cursam engenharia. “Não procuramos, mas os gostos acabam casando”, diz Fernando. Determinismo genético? Não. De acordo com Decio Brunoni, geneticista da Universidade Federal de São Paulo, gêmeos idênticos nascem programados com as mesmas potencialidades. Mas, se vão desenvolvê-las, vai depender do ambiente em que serão criados e do estímulo que receberem. “Gêmeos são considerados o perfeito laboratório para se descobrir o que, na vida do homem, ocorre devido a influência genética ou a fatores sociais”, diz Brunoni.

Ao longo da vida, gêmeos podem se diferenciar de acordo com a criação, as transformações da puberdade ou até a própria vontade. A trajetória das cariocas Juliana e Beatriz Esteves Leite, 18 anos, é uma amostra disso. Por orientação dos pais, elas jamais vestiram roupas parecidas e frequentavam a escola em turnos diferentes. Se uma usava cabelo comprido, a outra cortava e assim por diante. Mas o esforço caiu por terra, quando ambas descobriram os treinos de nado sincronizado no Clube de Regatas Flamengo, no Rio, há sete anos. “Por causa do esporte, passamos a ficar juntas o dia inteiro e descobrimos afinidades”, conta Juliana. Campeãs sul-americanas de dueto, hoje Beatriz e Juliana dividem o mesmo grupo de amigos, o número do celular e frequentam juntas a faculdade de desenho industrial, na PUC-RJ. “Só é chato quando faltamos em dias diferentes e os professores acham que os estamos enganando”, afirma Beatriz.

Montados – Para alguns pares de gêmeos, a semelhança exagerada pode virar peça de marketing. Márcio e Marcelo Rodrigues dos Reis, 25 anos, ganham a vida como as “drag queens clonadas” Dolly e Dolly. Donos de uma agência de eventos em São Paulo, organizam festas em boates, recepções e telegramas animados vestidos de maneira idêntica. Ou, melhor, “montados” com perucas coloridas, botas de salto plataforma e quilos de glitter. “Somos filhos mais velhos, gêmeos e gays. Defendemos o direito à cirurgia plástica e à clonagem”, brada Márcio, aos risos. Morando juntos num apartamento na avenida Paulista, os irmãos encontram um no outro suporte para a sua orientação sexual. “É mais fácil me abrir com Márcio, que vive ao meu lado e tornou-se meu confidente, do que com nossos irmão mais novos. No Natal passado, dei meu namorado de presente para ele. Como somos iguais, o rapaz nem percebeu a troca”, conta Marcelo.

Se quisessem fazer o mesmo, os irmãos Cosme e Damião Soares Matos, 37 anos, teriam problemas. Nascidos em Jandaíra, na Bahia, têm mais nove irmãos. Dois pares deles – José e Maria, Pedro e Paulo – também são gêmeos. Há 17 anos, mudaram-se para São Paulo. Cosme conheceu Francisca, gêmea fraterna de um homem chamado Franscisco. Tiveram as filhas Marina e Mariana. Gêmeas, é claro. Bernardo Beiguelman, maior especialista brasileiro no estudo da gemilidade, diz que provavelmente o segredo está nas mulheres da família. “A raça negra tem maior tendência à poliovulação e quanto maior o número de filhos, maior a chance de nascerem gêmeos”, diz. Mais ligado ao irmão idêntico do que ao restante da família, Cosme se diverte com a relação das filhas. “Comprei um beliche, mas elas teimam em dormir na mesma cama. Se compro roupas diferentes, choram, e não tem quem as faça ir a algum lugar sem a outra”, conta.

Diante de relatos como esse, o cineasta Chico Teixeira vê que acertou ao decidir fazer um documentário sobre a fraternidade entre gêmeos. Com depoimentos de Dolly e Dolly, Juliana e Beatriz e famosos como os cartunistas Paulo e Chico Caruso, Carrego comigo referenda a tese de que a relação entre essas pessoas é mesmo especial. “Quem tem irmão gêmeo vai carregar sempre consigo algo do outro”, diz. “Eles dividem tudo, desde a barriga da mãe até a festa de aniversário. Difícil é romper o elo: fazer tudo isso preservando sua individualidade.” 

A mão da ciência

A ocorrência de gestações múltiplas de modo natural é cada vez mais rara. Da década de 90 em diante, o boom de gêmeos e trigêmeos deve-se ao emprego generalizado de técnicas de reprodução assistida. Em uma pesquisa realizada entre 1995 e 1998, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, verificou-se que, a cada mil partos realizados, 19,5 eram de gêmeos. A taxa normal é de cinco nascimentos por mil. O número de partos de trigêmeos também foi espantoso: 2,13 por mil partos, quando o habitual, na população brasileira, é 0,2 por mil.

O geneticista Bernardo Beiguelman, coordenador do estudo, diz que o mesmo ocorre em todo o País. “O emprego de técnicas de reprodução assistida está provocando as mais altas frequências de partos múltiplos na história”, afirma. Jorge Banduki, chefe do serviço de gemilidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que os medicamentos para estimular a ovulação fazem com que as mulheres desenvolvam mais folículos aptos a serem fecundados. “Como é um método que custa até R$ 5 mil, não pode haver erro. Estimula-se a superovulação, e por isso nascem mais bebês.”