Tudo na Amazônia é grandioso. A maior floresta tropical do mundo abrange mais da metade do território brasileiro, abriga 55 mil espécies de plantas com sementes e entre 10% e 20% dos animais e vegetais catalogados no planeta. Seus rios despejam um quinto da água doce lançada nos oceanos, e só de formigas contam-se pelo menos três mil tipos diferentes. Com essas dimensões, seria de estranhar se os problemas da região não fossem igualmente gigantescos. As queimadas e a exploração ilegal de madeira devastaram até agora 570 mil quilômetros quadrados, uma clareira do tamanho da França. Pior do que a devastação, no entanto, é o desconhecimento. Sabe-se ainda muito pouco sobre os recursos naturais da região. Um exemplo são as serpentes, que, apesar de abundantes, são meras desconhecidas. Nem os melhores especialistas em répteis sabem precisar quantas espécies moram em terras amazônicas. Num feito inédito, duas centenas de especialistas reuniram num livro tudo o que se estudou até hoje sobre bichos, plantas, índios, nativos, atividades econômicas e sociais da região. Biodiversidade na Amazônia Brasileira – avaliação e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios (Editora Estação Liberdade/Instituto Socioambiental, R$ 90) é um catatau de 540 páginas elaborado em 18 meses que indica ações de curto, médio e longo prazos para preservar, estudar e explorar as riquezas da floresta.

O mapa do tesouro começou a ser traçado em setembro de 1999, quando 220 cientistas, representantes do governo e ambientalistas se reuniram durante uma semana na abafada Macapá, capital do Amapá. As discussões invadiram madrugadas, e não foram poucas as farpas trocadas entre um grupo e outro. Do encontro saiu a definição das 385 áreas de extrema importância biológica. Cada uma delas foi acompanhada de informações sobre os animais, as plantas e os recursos mais abundantes. “É a primeira vez que se faz um projeto coletivo para a Amazônia com um balanço das riquezas naturais, as regiões que necessitam de mais estudos e aquelas onde é preciso ação imediata para recuperar os estragos do fogo, da exploração madeireira e da expansão agrícola”, explica João Paulo Capobianco, diretor da organização não-governamental Instituto Socioambiental e coordenador-geral do projeto.

No livro há 27 documentos sobre zoologia, botânica, ecologia, sociologia e economia, 62 fotografias e 126 mapas. Documento político de peso, ele surtiu efeitos antes mesmo de seu lançamento, marcado para a quinta-feira 20. Num embate entre os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, venceram os verdes, que procuravam frear a construção e a reforma de estradas, hidrovias e ferrovias previstas no ambicioso e trilionário projeto desenvolvimentista Avança Brasil. As obras serviriam para escoar a produção agrícola e integrar o Sul ao Norte do País, mas invadiam terreno indígena e cortavam corredores ecológicos importantes. Diante da saraivada de críticas, o governo Fernando Henrique Cardoso suspendeu o projeto, que agora aguarda nova avaliação ambiental. As estradas não são de todo condenáveis, mas podem ser vetores de ocupação desordenada e promover mais devastação quando não são acompanhadas de outras ações e políticas estratégicas para fiscalização e suprimento das necessidades da população local. “Esses projetos refletem a esquizofrenia de um governo sem plano de ação para a região com a maior biodiversidade do planeta”, critica Capobianco.

Exploração – Toda a dificuldade em planejar a ocupação e o desenvolvimento da Amazônia está em levar em conta a biodiversidade, que pode ser traduzida como a relação entre os seres vivos e portanto é tão frágil quanto a vida. “Quando se rompe a cadeia, desaparece o elo entre uma espécie e outra”, explica Capobianco. Na era da engenharia genética e da biopirataria, os pesquisadores são unânimes em dizer que não há como explorar a floresta sem tirar proveito do conhecimento das populações locais e indígenas. Na lista de recomendações para extrair riqueza dos rincões mais distantes do País estão a prática da agricultura familiar, o ecoturismo, a extração de frutos e de peixes, a exploração da madeira de forma equilibrada, o que significa manter a motosserra longe das 41 espécies ameaçadas de extinção. Há ainda outras possibilidades, como estudar princípios ativos que podem dar origem a medicamentos, extrair alimentos, resinas e óleos para produção industrial. O progresso da Amazônia depende do apoio às comunidades locais, como a ampliação da capacidade de trabalho com novas tecnologias, a construção de vias de transporte para escoar a produção e a abertura de novos mercados no Brasil e no Exterior para a venda dos produtos da floresta.

O mais importante quando se pensa em explorar uma floresta é levar em conta suas limitações. A Amazônia não tem vocação agrícola. Seu solo é pobre e bastam dois ciclos de queimadas para a terra perder nutrientes e, com isso, a vegetação, o que se reflete na mudança climática e na diminuição das chuvas. Mais ainda: não há como se edificar um projeto de exploração sem estabelecer parcerias com índios e povos amazônicos. Um capítulo importante na história da região é a exploração predatória de madeira. O respeitado Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) identificou 74 pólos responsáveis por 90% da madeira derrubada no País. O maior foco de preocupação está concentrado no chamado arco do desmatamento, região que avança no nordeste e sul do Pará, Maranhão, Tocantins, sudoeste do Amazonas e segue numa faixa sem interrupções que vai do norte do Mato Grosso até Rondônia. A expansão da soja é outro fator preocupante. Entre 1997 e 2000, a área de plantio e a produção dessa leguminosa em Rondônia aumentou de 4,5 mil para 45 mil toneladas, um crescimento de estonteantes 900%. O avanço da produção agrícola não foi acompanhado de geração de empregos, um dos principais dilemas do atual modelo de exploração do interior brasileiro. Na prática, repete-se a mesma estrutura predatória de colonização que marcou o início da História do Brasil. A diferença é que, em vez de colonizadores europeus, os exploradores são os próprios brasileiros, que migram de Estados do Sul do País para expandir a fronteira agrícola, sem deixar nada, a não ser destruição e muita fumaça para quem faz de sua vida uma perpétua aventura desbravadora.