Shaen Thew/EFE

Pela segunda vez:
Ao lado da família, Bush presta juramento como
o 43º presidente dos EUA

Saiu caro a posse, na quinta-feira 20, do presidente George W. Bush em seu segundo mandato, assistida por cerca de 200 mil pessoas. Quando os últimos acordes da orquestra do derradeiro baile – dos muitos que a ocasião propiciou – soaram na madrugada da sexta, havia se torrado a bagatela de US$ 40 milhões, em meio às mais rigorosas medidas de segurança já tomadas nos EUA. Recordes presidenciais, entre os muitos obtidos pelo 43º ocupante da Casa Branca. A quantia das despesas é simbólica e contém boas e más notícias para os americanos. A boa nova é que os contribuintes não tiveram de arcar com a extravagância de uma celebração que, a princípio, deveria ser corriqueira. Quem enfiou a mão no bolso foram doadores privados – grandes empresas e gente riquíssima, que sempre deram a maior força ao time Bush. O fato ruim: não é por acaso que essas pessoas físicas e, principalmente, jurídicas são chamadas de “grupos de interesse”.

Alguns desses benfeitores – que já haviam gastado os tubos na campanha eleitoral republicana – terão lucros fabulosos na continuidade do atual governo. Exemplos: companhias de petróleo, é claro, já fatiaram o bolo explosivo, mas cheio de reservas de óleo, que é o Iraque. A política externa dos Estados Unidos, portanto, não mudará. Já a indústria farmacêutica e as empresas financeiras devem ter tempos de bonança com a pretendida reforma nos serviços de previdência social e de saúde. A privatização desses programas – ato que a oposição garante que só irá beneficiar as corretoras de ações, seguradoras e os fabricantes de medicamentos – foi categorizada no discurso de posse como prioritária neste segundo mandato. Ao jurar defender a Constituição, Bush, como os 42 ocupantes do cargo anteriormente fizeram, clamou: “E que Deus me ajude!” Pelo que se antecipa em seu programa de governo, será mesmo um deus-nos-acuda.

Oscar De La Renta, o estilista da elite republicana, foi um dos que contribuíram para a festa “Bush II: a missão”. O costureiro cobriu os corpos das mulheres da família imediata do presidente. Deve ter, também, pedido ajuda ao santíssimo, já que não é nada fácil dar contornos elegantes a Laura Bush, a primeira-dama, que é comparável ao gato da história do escritor Lewis Caroll, Alice no País das Maravilhas. O felino, lembre-se, era visto apenas como um sorriso pairando. De La Renta, ao que se sabe, não tem grande interesse no petróleo iraquiano. Mas a General Motors – fabricante de carros que consomem barbaridades do produto – vê a política externa de Bush, no Oriente Médio, como fundamental para seu futuro. Talvez por isso a GM tenha promovido um rebu nababesco na véspera da posse. O convidado especial foi o secretário dos Transportes, Norman Mineta (aquele a quem cabe regulamentar a política de consumo de combustíveis no país). E, ainda mais importante: Lynne Cheney, a esposa de Dick, o todo-poderoso vice-presidente, também deu o ar de sua graça. Somente para essa ocasião foram encomendados 700 litros (atenção, não são garrafas, pois estas contêm 750 ml) de champanhe, produto californiano, claro, pois os franceses estão em baixa nessa administração. Numa ocasião como esta, não se pode economizar. Afinal, entre os presentes certamente havia quem tivesse pago US$ 200 mil pelo pacote da posse oferecido pelo Mandarin Oriental Hotel (a extravagância envolve até mesmo o uso de um jatinho executivo).

Nesse clima, foi gritante a ausência da empresa de energia Halliburton, da qual fazia parte o vice-presidente Cheney antes que o serviço público o convocasse. Com contratos de prestação de serviços da ordem de US$ 60 bilhões, obtidos sem as aporrinhações de concorrências, era de esperar que o pessoal da Halliburton tivesse motivos para dar uma festa de arromba. Mas o low profile é explicável, uma vez que a firma está sob suspeita de superfaturamento, apropriação indébita e corrupção em seus negócios iraquianos. A companhia, porém, deu muito dinheiro para a festança e distribuiu cerca de mil convites para a solenidade da posse. O Comitê do Congresso para a cerimônia mandou imprimir 250 mil tíquetes para a ocasião. As preocupações com a segurança, que envolveram até baterias de mísseis antiaéreos e Patriots, forçaram a impressão de bilhetes com as mesmas rígidas exigências que são feitas para se confeccionarem os passaportes dos cidadãos do país. O redesenho dos convites quebrou uma tradição de 60 anos. São pequenas preciosidades, que o diretor de tíquetes do Comitê, Matt McGrowan, garantiu a ISTOÉ serem “peças merecedoras de enquadramento e exibição para a posteridade”. Cada senador americano recebeu 400 exemplares para dar a seus constituintes. Representantes na Câmara ficaram com 200. A Casa Branca reservou para si 61 mil, e outros tantos foram destinados aos juízes da Suprema Corte e governadores de Estados. Ou seja, a Halliburton, com seus mil convites, venceu mais uma concorrência: ganhou o quíntuplo do que um deputado federal.

Mandato – George W. Bush garante que, desta vez, recebeu um mandato claro do povo americano para tocar adiante sua política. Esta percepção atrai, pelo menos, duas conclusões. A primeira é que o presidente reconhece que, nos últimos quatro anos, ele não tinha mandato claro. Mesmo assim, declarou guerra unilateralmente o Iraque, acabou com o superávit orçamentário de US$ 3 trilhões, deixando um déficit de US$ 500 bilhões somente em 2004 e quebrou alianças com seus aliados mais tradicionais. A segunda é que, mesmo com cerca da metade do eleitorado votando na oposição, W. Bush se acredita no direito de implementar sua plataforma, sem ser necessário ouvir vozes em contrário.

Por essas e outras, nem tudo foi alegria nas celebrações de “Bush II”. A polícia estima que algo em torno de cinco mil manifestantes tenham se expressado contra o presidente. Fizeram isso durante o cortejo que levou Bush aos pés do Capitólio para ser reempossado. A turma do contra tinha como palavra de ordem virar as costas para a limusine presidencial quando ela passasse. Alguns fizeram mais: deitaram no chão molhado de neve, numa temperatura que atingiu os dez graus negativos. Estes, como os democratas em minoria na Câmara e no Senado, terão um longo inverno pela frente.