A crise argentina está prestes a desembocar numa explosão social. No ano passado, o número de pobres cresceu 2,3 milhões, atingindo 14 milhões de pessoas, 37% do total de 38 milhões de habitantes. O custo de vida cresce sem parar: entre janeiro e fevereiro, o índice de preços ao consumidor acumulará um aumento de mais de 5%. Na mesma semana em que esses dados vieram à tona,
o presidente Eduardo Duhalde aumentou seu próprio salário em 16%. Agora, ele ganha 3 mil pesos e acha que não deve
satisfações a ninguém. “Não me interessa ganhar 3 mil ou 2,5 mil,
não é minha preocupação.”

Já com os novos vencimentos, Duhalde recebeu, dos Estados Unidos,
só más notícias. O secretário do Tesouro americano, Paul O’Neill, insiste em dizer que ainda não é hora de liberar recursos para o país. A hora, segundo ele, seria quando o governo resolvesse as pendências com
as províncias e aumentasse a arrecadação dos impostos. A paulada
moral veio em seguida: na quarta-feira 20, a embaixada americana anunciou o restabelecimento, a partir do dia seguinte, da exigência
de visto para os argentinos interessados em entrar nos Estados Unidos, como era até 1996.

Cansados de bater panelas e chutar portas de bancos (que implantaram sistemas de proteção com barreiras metálicas para enfrentar a ira dos poupadores), os moradores de Buenos Aires estão se organizando em assembléias pelos bairros, numa forma inédita de mobilização popular. Em comissões, discutem como enfrentar problemas dramáticos, como a escassez de remédios. Os argentinos sabem que a reativação da economia do país é, por enquanto, uma miragem. Analistas financeiros explicam por que: as medidas anunciadas pelo governo são insuficientes para reverter a crise. Numa análise enviada pelo banco HSBC a seus clientes no dia 19, os economistas destacaram ainda a intensificação da tensão social, uma bomba que vem sendo acionada pelo avanço dos níveis recordes de pobreza e miséria.

O presidente Eduardo Duhalde sabe disso. Ele teria em mãos um relatório secreto elaborado pelo serviço de inteligência do país que prevê uma nova explosão social nos primeiros dias de março. Pressionado, anunciou que o governo não pretende reprimir manifestações contra a crise econômica. “Não podemos, em uma situação de tanta violência, acreditar que resolveremos esse problema com a polícia, com balas”, disse o presidente, pedindo manifestação com “ordem”. Parece tão difícil quanto a sua manutenção no cargo de presidente até 2003, que se tornou uma verdadeira montanha-russa que derrubou Fernando De la Rúa, Ramon Puerta e Rodriguez Saá em menos de dois meses. Duhalde garante que não irá renunciar. “Seria uma covardia”, diz. “Há políticos que querem pressionar porque sabem que há uma parcela do povo que não está organizada.”

Os “políticos”, no caso, é o ex-presidente Carlos Menem, que ficou em prisão domiciliar durante 167 dias por contrabando de armas e corrupção, está livre desde novembro de 2001 e louco para voltar para a Casa Rosada, onde esteve entre 1989 e 1999. Como se nada tivesse acontecido, ele renasceu das cinzas e, numa Argentina desesperada, se fez ouvir: “O governo não tem condições de tirar o país da crise e por isso as eleições de 2003 devem ser antecipadas.” Adivinha quem se apresentaria como o salvador da pátria?