Steve Osborn nunca gostou de grandes surpresas ou aventuras. Por isso, este americano calmo, 27 anos, escolheu seguir a profissão de babá de cachorros. Imaginou que não teria grandes problemas tomando conta de animais domésticos, com vida confinada ao colo de madames na cidadezinha de Noble, no Estado da Geórgia. Mal sabia, porém, que surpresas são, digamos, os ossos do ofício neste métier. Ao mudar a rota tradicional de suas caminhadas de exercícios com os lulus, Steve acabou tropeçando, ao pé da letra, no achado mais macabro da história da região. O faro de seus fregueses o levou direto a um crânio humano parcialmente decomposto, à flor da terra. Apavorado, depois de lutar um pouco para que os cães não mordiscassem a descoberta, o rapaz procurou as autoridades para relatar a experiência. As investigações policiais levantaram um rastro mais tenebroso do que se imaginava.

Centenas de cadáveres jogados em meio a um bosque – muitos desmembrados ou devorados por animais-indicavam com sua presença absurda uma trilha que levava direto ao crematório Tri-State Company, o mais usado naquelas paragens. Atrás da empresa, os mortos insepultos se contavam às dezenas. Alguns com anos de abandono. Mas a explicação para o horror não estava envolta em grande mistério. O forno do crematório havia quebrado há muito tempo, e o dono do estabelecimento, Ray Brent March, simplesmente não quis parar os negócios e abrir mão da freguesia.

Trata-se do maior caso de profanação que se tem notícia nos Estados Unidos. O responsável, porém, ao ser flagrado ficou apenas algumas horas na cadeia. Isso porque na Geórgia não é crime profanar cadáveres insepultos. Ray foi indiciado cinco vezes por roubo e vigarice, pagou fiança de US$ 25 mil e foi solto. No entanto, não pôde ir para casa porque corria o risco de ser linchado pela multidão de habitantes de Noble e das redondezas, que foram tentar achar os restos de parentes que deveriam ter sido cremados nos últimos anos. Ninguém, fora Ray, sabe a exata procedência das cinzas que recebia das funerárias que utilizavam os serviços da Tri-State.

“Muitos cemitérios da região não têm o número de cadáveres que estão espalhados pela propriedade da Tri-State”, disse a ISTOÉ o xerife David Lee. “Pelo que vimos até agora, eles devem passar dos 200”, garantiu. Assim, os defuntos superavam até mesmo as equipes de procura, com 100 pessoas, entre policiais e voluntários civis. “Imaginamos que os lençóis freáticos devem ter sido contaminados há anos e toda esta vizinhança anda bebendo água infectada”, disse o xerife Lee. Por isso, dois dias depois do achado hediondo, Ray foi indiciado em mais seis casos de roubo e vigarice, além de três processos por violação de leis sanitárias e oito por crime ecológico.

Em termos de antepassados cuja memória permanece insepulta, Ray também tem sua cota. Ele é descendente de Willie Marsh, que no século 19 foi a primeira criança negra nascida no condado. Na cidade está o mausoléu dos Marsh, com várias figuras ilustres, entre elas heróis de guerra e benfeitores. Ray, porém, dificilmente terá homenagens em seu enterro.