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Jornalista e ex-presidente da Comissão Parlamentar Antimáfia, o italiano Francesco Forgione detalha em “Máfia Export” (Bertrand Brasil) a ação das organizações criminosas Cosa Nostra, ‘Ndrangueta e Camorra, cujos tentáculos ultrapassam o seu país de origem e hoje movimentam somas no valor de 130 bilhões de euros anualmente. Amparado em pesquisas, entrevistas e investigações, Forgione traça o mapa da ação mafiosa e mostra que nem o Brasil escapou dessa rota que parte da Itália para os cinco continentes em negociações de armas, drogas e influências.

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Leia um trecho do livro:

1. SAN LUCA E O MUNDO

Massa ao forno em Amsterdã

Novembro de 2008. Há muitas horas já está escuro. Desde que
amanheceu, o sol quase não se levantou: o outono no Aspromonte
é assim, nunca se faz dia. São nove da noite, e nas ruas de San Luca
não se vê vivalma. Três jovens mulheres e duas crianças pequenas
saem de casa, entram no carro, deixam a cidade e começam a se
perder entre as curvas que do Aspromonte descem para o mar
Jônio. É o início de uma longa viagem. Voltam a atravessar as montanhas
na rodovia expressa Jônio-Tirreno e chegam à estação de
Rosarno. Aguardam o Intercitty Notte 894 das 22h30, trem que
partiu de Reggio Calabria e se dirige a Roma Termini.

Às 7h15 da manhã seguinte estão em Roma. As três mulheres e
as crianças se misturam à multidão caótica de turistas e trabalhadores
pendulares que, todas as manhãs, nesse horário, povoam a
estação. Olham as vitrines das lojas, dão café da manhã para as
crianças, depois saem para a esplanada. Em vez de táxis, entram
diretamente em contato com dois carros de aluguel, daqueles clandestinos,
e pedem para ser levadas até a estação Tiburtina.
Enquanto olham as capas das revistas em frente a uma banca,
um homem caminha em sua direção. Acabou de descer de um
Volkswagen Passat com placa alemã. Uma das três mulheres se
afasta do grupo, vai a seu encontro e troca apenas poucas palavras
com ele. O homem entra no carro e vai embora; as mulheres e as
crianças se dirigem a pé à Piazza Bologna.

Desta vez, entram em um táxi regular. Como estão em cinco,
pegaram um Fiat Multipla. Ao taxista, as mulheres fazem um pedido
genérico e um pouco “estranho”: pedem para ser acompanhadas a
um lugar amplo, se possível cheio de gente. O taxista as leva para
a Piazza Re di Roma. O espaço existe, e o bairro é bem popular.
O grupo desce. Dá uma volta ao redor da praça, só o tempo de
olhar algumas lojas. Param outro táxi e voltam para as proximidades
da estação Tiburtina.

A esperar as mulheres e as crianças está o Passat com a placa
alemã, que parou na frente da estação algumas horas antes, mas o
motorista é outro. Cumprimentam-se apenas com um aceno de
cabeça, colocam as bagagens no porta-malas, entram todos no carro
e partem. Dirigem-se a Florença e, quando cruzam a saída para
Lucca, viram bruscamente. Agora vão a Gênova e de lá prosseguem
para Turim. Na altura de Alessandria, desviam por Valle d’Aosta e,
atravessando o túnel do Gran San Bernardo, entram na Suíça.

O Passat viaja por estradas secundárias entre desfiladeiros e
montanhas já cobertas de neve. Atravessa a fronteira francesa e
começa uma espécie de tour de France sem lógica alguma. O percurso
é esquizofrênico, aparentemente sem meta. Até chegar à
fronteira belga. Também nesse país, o carro com o motorista, as
mulheres e as crianças faz rotas estranhas, mas a direção já está
clara. Atravessam a fronteira com a Holanda, chegam a Amsterdã
e param diante de uma pequena casa de dois andares.

O bairro é residencial, não rico, mas distante e diferente das
periferias industriais onde há décadas vivem as famílias de emigrados
da Calábria, da Sicília e da Puglia, que partiram da Itália no final
dos anos 1950. A região, muito tranquila durante o dia, à noite fica
repleta de jovens e adolescentes que vêm da cidade inteira para se
encontrar, a poucos metros da casa, em um dos bares mais frequentados
e badalados de Amsterdã.