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Fernando Morais lançou-se como escritor e tornou-se um dos maiores autores brasileiros de livros-reportagem com “A Ilha”, resultado de uma viagem de dois meses a Cuba. Era 1976, os países latino-americanos ainda amargavam suas ditaduras e a revelação do dia a dia dos cubanos e das conquistas – e também mazelas – do “socialismo moreno” marcou época. Passados 35 anos, Morais volta ao tema no livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria” (Companhia das Letras). Mas agora com um pezinho em Miami. Centrado no grupo de espionagem cubano Rede Vespa, a obra alterna-se entre a ilha do Caribe e o ensolarado Estado americano da Flórida, destino dos agentes treinados para se infiltrar nas organizações anticastristas em ação nos EUA. Se antes Morais enalteceu o regime, agora vai para a margem oposta e disseca a ação dos inimigos históricos de um país acossado.

A Rede Vespa foi criada em 1990 diante do crescimento dos atentados a Cuba empreendidos pelos grupos rivais do ditador Fidel Castro. Com a dissolução da URSS, o país caribenho teve a sua economia abalada e buscou uma saída na exploração do turismo. Sob a fachada de organizações humanitárias destinadas a dar suporte aos balseiros que fugiam da ilha em direção aos EUA, entidades como Hermanos al Rescate e Alpha 66 praticavam o mais torpe terrorismo – sequestravam aviões, metralhavam navios em cruzeiros e colocavam bombas em hotéis e bares de Havana, tudo isso para provar que era “mais seguro fazer turismo na Bósnia-Herzegovina do que em Cuba”. O objetivo dos agentes vespas era justamente esse: se infiltrar nas colmeias terroristas e abastecer o Departamento de Segurança do Estado de seu país com as informações necessárias para se defender.

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"A travessia de nove quilômetros levou quase sete horas.
Cada vez que olhava para o alto e via luzes dos barcos da
Guarda Costeira varrendo a superfície da água, ele mergulhava"

No saldo de oito anos de atividade, a Rede Vespa impediu diversos atentados (entre eles um que tinha como alvo a famosa Boate Tropicana) e suas informações possibilitaram interceptar 30 mercenários em território cubano. Eram, ao todo, 14 agentes – 12 homens e duas mulheres. A maioria tinha idade por volta dos 30 anos, formação superior e abandonou a família sem dar satisfação: passavam-se por desertores. Instalados nos EUA, viviam de bicos: podiam ser marceneiros, personal trainers, professores de salsa e isso era bom ao compor melhor a “fachada”. E tinham que arrumar uma namorada. Para driblar o FBI, que acabou interceptando-os, não conheciam um ao outro e apenas três deles tinham acesso ao chefe do grupo, Gerardo Hernández, o Giro.

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Morais em 1976, quando lançou “A Ilha”: do elogio a Cuba ao retrato de um país acossado

A reprodução de todo o processo de preparação de Giro, que assumiu a identidade de um garoto texano morto aos 3 anos de idade, é impressionante. E isso só foi possível porque Morais, que continua castrista e encontra-se esporadicamente com “El Comandante”, teve todo o acesso aos documentos sigilosos. Como estão presos nos EUA (alguns são tidos como desaparecidos), Morais entrevistou os espiões via e-mail ou por intermédio de familiares, exceção feita ao piloto Juan Pablo Roque, codinome, Germán, que hoje vive em Havana. Em Miami ele era conhecido como “Richard Gere no exílio”. Ele teve a atuação abortada por estar se tornando uma celebridade em Little Havana. A estratégia montada para a sua volta a Cuba recebeu o nome de “Operação Vedete”.

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