Renato Velasco

O Planalto colocou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no encalço da Dataprev, a estatal encarregada do processamento das aposentadorias e contribuições da Previdência, e do INSS, responsável pelo pagamento e atendimento aos segurados. Na segunda semana de novembro, uma equipe de agentes da Abin percorreu as salas da Dataprev, no Rio de Janeiro, recolhendo informações sobre a ligação entre a empresa e a Unisys, a multinacional que cuida da operação de informática da Previdência há 30 anos. O motivo é simples: os computadores da Dataprev processam o segundo maior orçamento da República, R$ 150 bilhões por ano. Os agentes perguntaram sobre ligações pessoais, preços de serviços e contratos envolvendo a estatal e a multinacional. A Abin desembarcou no Rio por ordem do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e nas andanças os agentes comentaram que uma das preocupações era a movimentação da Unisys para disputar, no megaleilão marcado para esta segunda-feira 24, a administração das loterias da Caixa Econômica Federal, um negócio de R$ 1,3 bilhão, hoje nas mãos da Gtech. A Abin se voltou para o INSS por conta da sua responsabilidade na alimentação do banco de dados gerido pela Dataprev. Cabe ao instituto conceder, alterar e cancelar aposentadorias, pensões, licenças e auxílios, além de cobrar as contribuições de patrões e empregados.
Victor Soares/Ag. ABR
Alvo I: MP pediu formalmente o afastamento de Jairo Cabral da presidência da Dataprev

Victor Soares/Ag. ABR

Alvo I: MP pediu formalmente o afastamento de Jairo Cabral da presidência da Dataprev

As apurações começaram em setembro e renderam vários relatórios, carimbados como secretos pela Abin e que já passaram pela mesa do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Com base neles, o governo decidiu formar uma força-tarefa para reestruturar o sistema de Previdência e os softwares de seus computadores, assim como as relações entre a Unisys e a Dataprev. Até a estabilidade no emprego de seu presidente, José Jairo Ferreira Cabral, corre risco. Considerado intocável dentro do governo, Cabral apregoa ser amigo pessoal de Lula. Nessa semana, a Controladoria-Geral da União vai engrossar o cerco à Dataprev, remetendo à Previdência dados sobre auditorias especiais denunciando ligações mal explicadas entre a multinacional americana e a estatal brasileira. Apesar da enorme pressão do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU) pela modernização da informática da Previdência e pela transferência dos bancos de dados para um sistema aberto (formado por computadores e programas de múltiplos fabricantes, capazes de dialogar entre si), a dependência dos sistemas da Unisys permanece. Nos últimos quatro anos, as mudanças foram quase cosméticas. O MP passou a questionar a legalidade do contrato com a multinacional. A solução foi contratar, em 2003, a Cobra, pertencente ao Banco do Brasil, cuja função era intermediar as relações entre Dataprev e Unisys. Já a transferência dos dados dos computadores da Unisys para outros, mais modernos e seguros, anda a passo de tartaruga. Dos arquivos da Previdência, compostos pelo cadastro de 23 milhões de benefícios, 150 milhões de trabalhadores, 20 milhões de empresas e contribuintes, listagens de devedores e registros de óbitos, pouca coisa está rodando no sistema aberto.

A dependência de um sistema obsoleto apoiado em um único fornecedor é apenas um dos imbróglios envolvendo a Previdência. Em dezembro, o Ministério Público pediu formalmente ao ministro Amir Lando o afastamento de Jairo Cabral da presidência da Dataprev, junto com o presidente do INSS, Carlos Bezerra, por improbidade administrativa pela tentativa de alugar 16,6 mil computadores para as agências da Previdência. Só para locar metade da encomenda por 48 meses seriam gastos R$ 146 milhões. O MP considerou o preço descabido – o governo poderia comprar as máquinas por R$ 35 milhões. No pregão aberto para definir o valor do serviço, apareceram apenas duas empresas, com preços quase iguais: a Siemens e a Cobra. Venceu a primeira, mas, antes que o contrato fosse assinado, os procuradores Raquel Branquinho e José Alfredo de Paula Silva conseguiram suspender o negócio com uma ação judicial. Nela, o MP pede as exonerações de Cabral e Bezerra. O ofício enviado diretamente a Lando foi uma tentativa dos procuradores de antecipar a destituição.
Joedson Alves/AE      
Alvo II: Bezerra, presidente do
INSS, é acusado
de improbidade administrativa      
    A ação é um dos lances do monitoramento permanente que o MP mantém sobre a Previdência desde o governo FHC, em 2001. Tudo começou com um relatório de três auditores da Secretaria Federal de Controle, hoje incorporada à Controladoria de Waldir Pires, que, em 70 páginas de termos contundentes, denunciava a relação interminável entre Dataprev e Unisys como um sorvedouro de dinheiro, com indício de superfaturamento, e um poço de ineficiência, obsolescência e insegurança. ISTOÉ publicou esta informação, com exclusividade, em outubro de 2001. Procurada pela revista na quinta-feira 20, a direção da Unisys disse que a empresa não se manifestará enquanto não conhecer o conteúdo das investigações da Abin. O incrível é que, quase uma dezena de auditorias depois, apesar da transição de PSDB para PT, a situação só piorou. TCU e MP continuam identificando falhas de segurança no sistema e na administração dos benefícios, e uma disputa política dentro da Previdência atrapalha ainda mais o trabalho. O ministro não manda nem é obedecido nas duas principais agências operacionais da Previdência – INSS e Dataprev. Em junho passado, por exemplo, Lando inaugurou um poderoso computador na sede paulista da Dataprev para produzir um backup dos dados em mãos da Previdência, mas o tal computador ficou inútil, praticamente vazio. Já a Dataprev diz que setores do Ministério “tentam se arvorar em donos da verdade” e não ouvem os técnicos da estatal, especialistas na área há 30 anos.
Nilton Fukuda/AE
Lando e o supercomputador
que não recebeu todos os dados
a ele destinados

Joedson Alves/AE

Alvo II: Bezerra, presidente do
INSS, é acusado
de improbidade administrativa

Uma auditoria recente do Ministério, que serve de base para a Polícia Federal, revela que as fraudes contra a Previdência encontram terreno fértil para se reproduzir no sistema operacional ultrapassado da Unisys. “O rombo da Previdência pode chegar a R$ 10 bilhões ao ano, o que equivale a dez PC Farias”, confidenciou a um senador do PMDB o ministro Amir Lando. As falhas de segurança permitem fraudes incríveis: mortos que continuam recebendo, trabalhadores que figuram como ativos em um cadastro e aposentados em outro, dentro do mesmo banco de dados, aposentadorias e pensões por morte em nome dos mesmos segurados e benefícios cancelados por irregularidades que são misteriosamente reativados. A fraude é tanta que beneficiários, em algumas cidades, chegam a superar de longe a população de idosos medida pelo IBGE. Na quarta-feira 19, um alto assessor do ministro Amir Lando assinou com a direção da Abin um acordo de cooperação técnica para treinar servidores da Previdência em assuntos de Inteligência, para combater as fraudes. Eles farão um curso reservado na Escola Nacional de Inteligência. A próxima fase é chamar a polícia para pegar os ladrões em flagrante.

Nilton Fukuda/AE

Lando e o supercomputador
que não recebeu todos os dados
a ele destinados