A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de adiar, por um ano no máximo, a aquisição de aviões para a Força Aérea Brasileira (FAB) não causou protestos dentro da Aeronáutica nem manifestações veladas contra o novo governo, como poderia se esperar. Mas este não foi um início de ano de festa entre os aviadores. Até oficiais-generais da Marinha, como o almirante Armando Vidigal, e do Exército, reconhecem que a Força Aérea foi a instituição militar mais atingida pelas restrições orçamentárias dos últimos anos. Um oficial lembrou que, nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, as desculpas para cortes de verbas foram variadas. Certas vezes os cortes de verbas eram justificados pelo Palácio do Planalto como decorrência das crises cambiais externas, como as que ocorreram no México, em 1996, na Ásia, em 1998, no Brasil 1999, e, finalmente, com a da Argentina, no final de 2001. Os fatores externos deixaram os projetos de modernização militar mais vulneráveis do que a economia do País. Mesmo assim, tudo indica que os militares estão sensíveis às prioridades sociais estabelecidas pelo novo governo. Um exemplo dessa compreensão é a declaração do ministro do Superior Tribunal Militar e oficial da Associação Brasileira de Pilotos de Caça, brigadeiro Cherubim Rosa Filho: “O problema da fome e a falta de distribuição de renda criam uma insegurança coletiva, afetam
a Nação, e a culpa é das elites indiferentes à situação do povo.”

A declaração se torna mais expressiva quando se leva em conta que seu autor é o mesmo militar que, em 1988, fez uma advertência contra o sucateamento da Aeronáutica, em discurso na Base Aérea de Brasília, quando fazia parte do Alto Comando da FAB. A advertência foi também feita por outros oficiais, como o ex-assessor militar na delegação brasileira na ONU, brigadeiro Murillo Santos. O primeiro a alertar contra
a decadência foi o brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira, em 1987.
Ele tem sido o principal estrategista da Aeronáutica nos últimos 30 anos. Antes da decisão do governo de adiar a aquisição dos aviões de defesa aérea, o ministro Rosa Filho já afirmava que, diante do lento processo
de decisão do governo Fernando Henrique Cardoso, tudo indicava que a substituição dos velhos Mirage III não ocorreria em menos de quatro anos. Se há ressentimento entre militares, portanto, é com o pouco
caso com que alguns projetos foram tratados no governo FHC, e não
com Lula. Em 1989, quando se candidatou pela primeira vez, Lula expôs um projeto de apoio aos projetos estratégicos das Forças Armadas.

Para o brigadeiro Rosa Filho, o governo só adiou a compra das
aeronaves porque não há qualquer ameaça ao Brasil no cenário internacional. Ele deixa claro que a Aeronáutica pretende apenas
exercer a soberania brasileira no espaço aéreo, através da dissuasão, voltada para o cenário prioritário da América do Sul, sem megalomania,
ou seja, sem gastos exagerados e capazes de comprometer a
campanha contra a fome, a recuperação dos hospitais e universidades públicas e os investimentos para o crescimento da economia. Ele reconhece que a posição do Brasil é confortável porque o País não
tem ambições extra-territoriais ou hegemônicas, além de ter
um compromisso com a sua estabilidade e com a paz mundial.

O brigadeiro Mauro Gandra defende a modernização da Aeronáutica desde a década de 80. Na chefia do Estado-Maior, em 1994, e como ministro da Aeronáutica do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, deu prioridade a projetos para tirar a instituição de um processo de decadência tecnológica. Ele confessa que “foi melhor adiar a aquisição dos novos caças supersônicos do que comprar o avião errado, no caso, o JAS-39 Gripen”. A aeronave
sueca, equipada com importantes componentes americanos,
teve um forte lobby em Brasília no governo Fernando Henrique Cardoso. O oficial disse a ISTOÉ que “a decisão do governo
não cancela a modernização da Força Aérea Brasileira”:

ISTOÉ – O adiamento da compra dos caças para substituir os Mirage III provocou alguma reação negativa da Aeronáutica?
Mauro Gandra –
Creio que foi uma decisão prudente, que tem seu sentido político. É uma demonstração interna e externa de que a prioridade do governo é gastar pouco e combater a miséria, sem dúvida um instrumento de insegurança do País. Não conheço nação rica com 50 milhões de miseráveis. Precisamos modernizar a defesa, mas devemos também acabar com tantas desigualdades. A compra dos aviões, com financiamento externo, não ia onerar o orçamento
da União deste ano, mas teve um caráter político saudável.

ISTOÉ – Dos aviões que participaram da licitação da Aeronáutica – o francês Mirage 2000-5Br, o russo Sukhoi Su-35,
o americano F-16 e o sueco JAS-39 Gripen –, qual era o mais adequado para o Brasil?
Gandra –
O Sukhoi Su-35 é um grande avião, mas sofre restrições logísticas e não seria entregue no prazo curto. O F-16 tem a restrição do armamento, que seria obsoleto. O JAS-39 Gripen não corresponde
às necessidades do Brasil em termos de raio de ação. Eu escolheria
o Mirage 2000-5Br, com participação da Embraer, que está no consórcio da francesa Dassault. Ela foi privatizada com a “ação de ouro”, que dá à Aeronáutica o direito de encomendar equipamentos à empresa. Ela também adquiriu muita tecnologia através do projeto do avião AMX, da Aeronáutica. Nem era preciso licitação. Podíamos fazer igual a países como os Estados Unidos: encomendar um projeto a
uma empresa brasileira, no caso a Embraer. Temos de ter fabricantes de material de defesa vinculados a projetos estratégicos do País,
para reduzir a dependência externa, manter e criar empregos.