Assediado por políticos, Antônio Ermírio de Moraes prefere cumprir sua missão social na Beneficência ortuguesa, onde 60% dos pacientes são pobres

O convite é de Antônio Ermírio de Moraes,
o empresário de 73 anos que trabalha na Votorantim, no Hospital Beneficência Portuguesa, tem nove filhos, escreve peças de teatro e, especialmente neste ano de eleições, trabalha duro para se livrar dos políticos que, conhecendo a credibilidade e honestidade do empresário, estão loucos para engajá-lo em suas campanhas. Perda de tempo. O presidente do Grupo Votorantim, uma potência de R$ 8 bilhões, ficou traumatizado com seu passeio, em 1986, pelos meandros políticos. “No meio da campanha eu pedi a Deus para não ser eleito”, diz ele. Quase que Deus não o atendeu: ganhou na capital paulista por 400 mil votos do eleito Orestes Quércia (PMDB), ganhou no reduto de Lula, São Bernardo do Campo, e ganhou em São Caetano. “Perdemos em Santo André para o Eduardo Suplicy por 500 votos”, diz ele. “Eu fui bem, mas compreender os políticos é muito difícil, digo mais, é muito desagradável.” Tão difícil que até como eleitor Antônio Ermírio, homem de grandes decisões, está em cima do muro, observando. A Lula falta estudo, a José Serra, simpatia e cintura para enfrentar uma campanha e a Roseana Sarney falta quase tudo. Ao presidente Fernando Henrique Cardoso, Antônio Ermírio daria um título emérito para ele ser ministro eterno do Itamaraty. “Nunca o Brasil esteve tão bem lá fora”, diz.
Bom mesmo para este brasileiro, que deve ter herdado da avó, dona Chiquinha, o vigor para o trabalho (ela tinha um engenho de açúcar em Pernambuco), é, encerrada a jornada de trabalho no grupo Votorantim, correr para a Beneficência Portuguesa, onde é presidente do Conselho, e trabalhar mais. “Ando mais preguiçoso, antes levantava às cinco da manhã, agora levanto às sete.” Seu prazer no hospital é proporcionar um atendimento que os pobres não conhecem na saúde pública. A Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência é uma associação civil de direito privado, de caráter beneficente, social e científico, sem finalidade lucrativa, com autonomia patrimonial, administrativa e financeira. Atende pacientes de todos os níveis econômicos e sociais, sem nenhum tipo de distinção, e na condição de entidade beneficente e filantrópica mantém leitos e serviços hospitalares para uso público, sendo 60% deles aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta entrevista a ISTOÉ, o empresário que aparece na edição 2001 World Richest People da revista americana Forbes na 116ª posição (junto do irmão, José, falecido no ano passado) dá um exemplo extraordinário e um chacoalhão na elite brasileira. “Chamar atenção com demonstrações explícitas de riqueza é um desrespeito à pobreza. Somos um país com muita gente pobre, e eu sou contra exibições.”

ISTOÉ – O sr. tem tempo e disposição para se dedicar a um hospital tão grande, o primeiro no Brasil em cirurgia cardíaca, ao mesmo tempo que comanda um grupo do porte do Votorantim?
Antônio Ermírio

 um trabalho gratificante porque não é feito para quem tem condições. A grande maioria é de gente que não tem condições; 60% das pessoas não pagam nada; e 35% são atentidos por convênios. Cuidar de pessoas que não têm recursos é muito gratificante. Tudo aqui passa pela minha mão. Tem que ser assim porque nós andamos com o orçamento muito apertado e, se se descuidar um pouco… Graças a Deus, temos 1.700 leitos, 200 de terapia intensiva, e fazemos só coisas complicadas: 100 neurocirurgias, 700 cirurgias de coração, 15 transplantes de coração, de pâncreas e de rins. Quando cheguei aqui pela primeira vez, em 7 de abril de 1970, houve uma reunião em que o primeiro item a ser examinado era o convênio com o SUS. Fui muito claro: se o convênio não fosse mantido, aquela seria a primeira e última reunião que eu presidiria. Trabalhar de graça para gente rica não tem sentido. Tem que trabalhar para quem está precisando. É um trabalho silencioso, que gratifica ainda mais por isso.

ISTOÉ – O sr. não poderia ampliar esse trabalho se tivesse uma atuação política, se fosse novamente candidato a um cargo público?
Antônio Ermírio

Não, eu sofri muito com a campanha. Esse negócio não é para mim. Cheguei à conclusão de que eu posso ser mais útil aqui do que me candidatando a um cargo público e ficando dentro de um esquema que não me agradou nada. Eu gostaria de servir, eu senti que poderia servir… Estou servindo. Acho importante ter respeito à questão dos desfavorecidos.

ISTOÉ – A maioria dos ricos brasileiros parece que não pensa assim.
Antônio Ermírio

A nossa elite precisa ser mais humana. Nossa elite às vezes é desumana. Se eu estiver bem, tudo bem, o resto não me interessa. Isso não pode acontecer. Nos Estados Unidos, as doações são muito grandes da classe que pode para a classe que não pode. Na terceira peça de teatro que estou escrevendo há um diálogo interessante entre um personagem e Deus. Diz o personagem: “O sr. deu tanta terra, tanta água, tanto sol ao Brasil…” Deus responde: “Espera para ver a elite que eu vou colocar nele.” O grande mal é esse.

ISTOÉ – Qual seria o maior problema do Brasil hoje?
Antônio Ermírio

O maior problema do Brasil é a corrupção, é preciso combater a corrupção com muita força. O Brasil tem grandes chances, agora precisa ver como é que a gente vai votar em outubro, é muito importante a sucessão presidencial. Digo para todo mundo: o presidente do Brasil tem que ser honesto e competente. Cada um vota em quem quer, mas é preciso que ele tenha essas duas qualidades. Eu não faço campanha política não.

ISTOÉ – O sr. já sabe em quem vai votar para presidente?
Antônio Ermírio

É uma encruzilhada. O Serra (José Serra, PSDB) é competente, mas precisa passar seu pensamento com simpatia, não pode ficar com a cara fechada andando na rua. Político tem que ser sincero, mas tem que saber andar na rua. Já falei isso para ele. O Serra não tem paciência.

ISTOÉ – O sr. tem medo de uma administração do Lula (Luiz Inácio Lula da Silva/PT)?
Antônio Ermírio

Não. Eu faço uma distinção muito clara. Dentro do PT têm duas pessoas que se destacam, o Lula, de um lado, e o Vicentinho, de outro. O Vicentinho, com quem já conversei, é inteligente, está estudando para ser advogado. O Lula não estudou nada, não abriu um livro nesses 20 anos de PT. Ele vai para a Venezuela e diz que pensa como o Chávez (Hugo Chávez, presidente). O Chávez é um sargentão, desculpe falar, é um sargentão ignorante. É preciso tomar cuidado com isso.

ISTOÉ – E a ascensão da Roseana Sarney?
Antônio Ermírio

Isso não é nada, é a primeira mulher concorrendo…

ISTOÉ – O sr. gosta da gestão FHC?
Antônio Ermírio

Por mim, daria a ele um título emérito para ser ministro eterno do Itamaraty. Ele é inteligente, realmente fala bem, o Brasil está muito bem lá fora, como nunca esteve, mas na parte administrativa… Falta experiência para ele. O Tony Blair (primeiro-ministro da Inglaterra) adora o Fernando Henrique. O Clinton (Bill Clinton, ex-presidente dos EUA) também. Mas o Brasil precisa mais.

ISTOÉ – O que, por exemplo?
Antônio Ermírio

Eu não tenho nada com a agricultura, mas acho que o Brasil ainda vai ser o celeiro do mundo. Temos 20% da água do mundo aqui, temos terra, este pode ser um país enorme. Mas estamos atrasados na irrigação. O Brasil só irriga 6% das áreas agriculturáveis, enquanto o mundo irriga de 36% a 38%. É possível mudar esse quadro. Petrolina, na Bahia, era um deserto, hoje é um verdadeiro jardim, com irrigação correta e barata. Temos um potencial hidrelétrico fantástico, que deve ser desenvolvido. O carvão no Brasil é péssimo, temos pouco gás natural. Fora da energia da água, o Brasil tem pouca chance. Gerar energia térmica com vasos importados, ou petróleo importado, ou carvão importado não tem sentido. Com energia e boa navegação, podemos desenvolver a piscicultura, que hoje é muito importante. A safra de peixe no mundo é de 90 milhões de toneladas. Se o chinês fosse comer a mesma quantidade de peixeque come o japonês, 80 quilos por ano, só os chineses iriam comer todo o peixe do mar. Mas o chinês percebeu isso e hoje produz peixe em fazenda, que representa 30 milhões no mundo. Desses 30 milhões, a China tem 70%, ou 20 milhões de toneladas criadas em fazenda. Aqui no Brasil nós podemos criar peixe à vontade. Agora, é preciso que os ambientalistas, que eu respeito, botem na cabeça que, se não for pelo setor hídrico, o Brasil não tem como crescer energeticamente. Ele pára. Aí o Primeiro Mundo vai ficar satisfeito, aí sim nós vamos baixar a bola.

ISTOÉ – Como o sr., que comanda o grupo empresarial que mais consome energia, explica o racionamento?
Antônio Ermírio

Vou falar em poucas palavras: é descuido. No governo militar, o Brasil gastava mais ou menos US$ 6 bilhões por ano no setor hídrico. De repente, começou a gastar US$ 2,5 bilhões. Eu chamei o presidente por telefone e disse: “Presidente, por favor, o senhor resolva depressa o preço do gás, senão vamos ter racionamento logo”.

ISTOÉ – E o que ele disse?
Antônio Ermírio

O sr. tem toda a razão…

ISTOÉ – O que o sr. pensa sobre a globalização?
Antônio Ermírio

No passado, a grande preocupação era a inflação. A inflação passou e nesses sete, oito anos começou a vir a globalização. A globalização, de início, eu sempre defendi porque achei que seria interessante você crescer à custa da competência, e não de incentivos fiscais, subsídios escondidos em tudo quanto é lugar. Acho isso péssimo. Sempre defendi a tese da competência, mas estou vendo que o mundo inteiro é brutalmente subsidiado, o que não acontece no Brasil.

ISTOÉ – O sr. também está assustado com a explosão de violência no País?
Antônio Ermírio

A violência está muito grande no mundo inteiro. Nos últimos 30 anos, o PIB mundial cresceu 2,5% ao ano, o que dá 100% de aumento no período, e a pobreza aumentou 1.000%. O problema não é só nosso não, mas aqui no Brasil, por ser um país novo, nós temos que pedir às elites que sejam menos egoístas. Eu sempre andei sem segurança. Não chamo a atenção porque acho que chamar a atenção é um desrespeito à pobreza. Como somos um país com muita gente pobre, sou contra demonstrações de poder e riqueza. Na minha cabeça não entra isso. Num país de gente pobre, eu me sentiria mal fazendo isso. Mas tem gente que gosta disso, se veste muito bem, tem carro bom, tem avião… Eu não vejo isso como essencial. Além disso, a polícia é muito mal paga, daí a corrupção. Quando os policiais abraçam a carreira, todos são corretos, mas a vida acaba mostrando para cada um deles que, se não tiver uma possibilidade de ganho, acaba virando segurança, acaba envolvido com drogas. A droga movimenta US$ 500 bilhões por ano. É muito dinheiro e corrompe. Entra silenciosamente e tem rápida ascensão em todas as camadas sociais. Isso acontece aqui e nos países chamados civilizados. Sempre procuro fazer essa advertência, inclusive para meus nove filhos. É o começo do fim.

ISTOÉ – Do que trata sua terceira peça de teatro ?
Antônio Ermírio

Acorda, Brasil vai tratar de educação e defender a escola profissionalizante. A senhora já viu um encanador desempregado? Um mecânico, um eletricista? Estão todos empregados. Agora, maus economistas, maus médicos, maus advogados estão desempregados. Essa meninada faz um curso profissionalizante e sai com uma profissão. Infelizmente, boa parte das universidades do Brasil ensina mal.

ISTOÉ – O que o sr. achou da prisão da cúpula do Banco Nacional?
Antônio Ermírio

A Justiça só funciona quando funciona para todos, independentemente do poder econômico. Aquele homem que tirou a casca de uma árvore (Josias dos Anjos, em junho de 2000) para fazer um chá para a mulher foi preso (por sete dias, na cela de um traficante, um ladrão, dois assassinos e um estuprador). Essa é uma falha brutal da nossa Justiça.

ISTOÉ – O sr. começou a trabalhar com quantos anos?
Antônio Ermírio

Com 21 anos. Fui fazer engenharia no Colorado, Estados Unidos, para estudar petróleo. Quando terminei o primeiro ano, papai me falou: toma cuidado que uma estatal (a Petrobras) vai controlar toda a produção de petróleo no Brasil. Eu não queria ser funcionário público e então eu mudei para metalurgia. Não me arrependi. Esse primeiro curso abriu muito a minha cabeça para outras coisas e também para mim. Fiquei lá quatro anos e meio, sem tirar férias e só no último ano conheci Nova York. Veja como é o destino. No último dia que
eu estava lá, conheci minha senhora, Maria Regina. Vamos fazer bodas de ouro.