Desde o momento em que soube do resultado do vestibular, a ex-menina de rua Esmeralda do Carmo Ortiz, 22 anos, não fala de outra coisa. Ela foi aprovada no curso de letras da Universidade Anhembi-Morumbi, em São Paulo. “Isso é apenas o começo”, exulta Esmeralda. Até pouco tempo atrás, esse era um sonho impossível para a menina que passou a infância e a adolescência perambulando pelas ruas da cidade, desafiando os perigos e os preconceitos trazidos pelo abandono. Filha de pai desconhecido e mãe alcoólatra, Esmeralda saiu de casa aos sete anos para fugir da pobreza e da violência doméstica, compartilhada com seis irmãos. “Tinha a ilusão de que nas ruas poderia viver melhor, ser feliz”, lembra. Não foi. Morou na praça da Sé, no centro de São Paulo, onde conheceu as drogas, o crime, o tráfico. De lá só saía para a Febem, “o pior lugar do mundo”. Foi internada 60 vezes. “Não há como melhorar naquele lugar. O ódio e a revolta crescem. Só estimula a transgressão”, conta. Entre as idas e vindas da Febem, concluiu a quarta série do ensino fundamental, mas não gostava de ir à escola. “Eu não entendia nada”, lembra. Só gostava de escrever. “Usava as folhas do caderno como diário.”

E foi através da escrita que a garota negra emergiu do mundo de alienação criado pelo crack, pela cocaína e por quantas outras substâncias chegassem a sua mão. Ainda nas ruas, conheceu a Fundação Travessia, que desenvolve atividades culturais com crianças e adolescentes que vivem na rua. Passou a frequentar o projeto e, incentivada, voltou a estudar. Conseguiu trabalho, casa e até bolsa de estudo no Colégio Santa Cruz, um dos melhores de São Paulo. “Estou feliz. Minha vida está organizada. Não há nada que substitua o prazer de ter um lar, uma ocupação”, afirma Esmeralda. Hoje ela trabalha na Escola da Rua do Projeto Aprendiz, outra organização civil com programas educacionais. Dos rascunhos feitos em cadernos aqui e ali nasceu o livro autobiográfico Porque não dancei, lançado em dezembro de 2000. Ao prestar vestibular, e passar, Esmeralda deu mais um exemplo de superação. E promete não parar por aí. “Penso no futuro. Em ter minha carreira profissional, uma família… Tanta coisa.”