Sem botar os pés, uma vez sequer, na sala de aula, a professora paulista Rosália Miranda da Silva concluiu em um ano e meio o curso de licenciatura plena em história – graduação que habilita a dar aulas no ensino médio. Conseguiu a proeza por intermédio do Instituto Brasileiro de Metodologia Especializada (IBME), de São Paulo – o mesmo que ISTOÉ denunciou na reportagem “Passeios Pedagógicos” (edição 1649), em maio do ano passado. Tudo teria saído perfeito não fosse a Delegacia Regional de Ensino (Leste 4) suspeitar do certificado de conclusão do curso apresentado pela professora. O documento foi emitido em nome de outra instituição, a Faculdade do Oeste Paulista (Unoeste), de Presidente Prudente (SP). A faculdade, no entanto, garante não ter nenhum vínculo com o IBME. “Esse é um caso explícito de estelionato. Não temos nenhum convênio com essa escola. É tudo falso”, esclarece Manoel da Silva Filho, advogado da instituição. Rosália, que no final do ano passado correu o risco de ser acusada de crime de falsificação de documentos, se
diz surpresa. “A reitora me garantiu que tinha uma parceria com a Unoeste. Jamais imaginei parar na polícia por ter feito um curso que julgava sério”, alega.

Com base nos documentos e declarações apresentados por Rosália, a polícia passou a investigar o IBME. Um dos policiais se apresentou como interessado num curso e teve a garantia de que em dois anos estaria com o diploma nas mãos. Bastava aparecer por lá duas vezes por mês (ao que parece, a informação varia de acordo com o freguês). Em dezembro, com um mandado de busca e apreensão, a polícia recolheu documentos e computadores da instituição e os encaminhou à perícia. “A relação de alunos chega a 1.500. Dezenas deles já prestaram depoimentos”, diz o delegado João Lopes Filho, titular do 21º Distrito Policial de São Paulo, onde o caso foi registrado. Além do inquérito, de número 750/01, que está no fórum criminal, um outro processo – esse administrativo –, corre na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. O órgão quer saber se houve má-fé também da professora.

Quando ISTOÉ relatou o golpe do instituto – também conhecido como Faculdades Integradas de Filosofia, Teologia, Ciências Humanas e Sociais (Faifitechs) –, o assunto foi classificado pelo ministro da Educação, Paulo Renato Souza, como caso de polícia, já que a instituição não era credenciada pelo MEC. Solicitou à Procuradoria Geral da República, de São Paulo, a abertura de inquérito. Desde então, em tese, o IBME está sob investigação, mas nenhuma medida foi tomada.

Fácil – Naquela data, os contatos eram feitos na casa do professor Bilian Dias, de São Paulo. “A única coisa que fazemos aqui é a matrícula dos alunos”, justificou-se ele. Com a professora Rosália, porém, os trâmites foram ainda mais simples. Em outubro de 1998, ela se matriculou por telefone. A professora Maria Aparecida Vianna, que se apresentava como reitora da faculdade, garantiu que ela precisava comparecer à escola apenas para as provas. Nem isso aconteceu. Rasália concluiu o curso em dezembro de 1999. Os pagamentos eram feitos por boleto bancário e as apostilas com exercícios e sugestões de trabalhos, recebidos em casa. “Eu respondia e enviava pelo correio”, conta Rosália, que, na época, achou muito prático. Vale ressaltar que o problema não é o ensino ser
à distância. Todo e qualquer curso deve estar sob os critérios do
Ministério da Educação. E pelo menos as provas e as avaliações
têm que ser presenciais.

A lista dos estudantes que entraram na onda do diploma fácil é extensa. Em dezembro ainda era possível ver dezenas de ônibus cheios de alunos vindos de toda parte do Estado. “Quando temos que cumprir a aula presencial, fica todo mundo na mesma sala. Não importa se o curso é de geografia, história ou matemática”, conta uma outra professora, também “aluna” do instituto que não quis se identificar. A proliferação desse tipo de curso pelo País fez surgir uma nova categoria de trabalhadores: os agenciadores. São Paulo, por exemplo, foi dividida por regiões. Em cada uma delas atua um desses “profissionais”. “Quando procurei o agenciador para fazer matrícula, a primeira pergunta foi em que região eu morava. Explicou que era para não invadir o espaço do “colega de trabalho”, conta Josineide Tavares de Melo, outra quase vítima do diploma fácil.

Fria – Em janeiro passado, Josineide fez matrícula para o curso de licenciatura plena em geografia e deveria cursá-lo na Universidade Iguaçu (Unig), no Rio de Janeiro, apesar de morar em São Paulo. Dias depois,foi informada que o curso da Unig havia sido cancelado, mas ela poderia fazê-lo em outra faculdade em sua própria cidade. “O professor Walter, que fez minha matrícula, me indicou o IBME e disse que era o mesmo esquema. Ou seja, tinha de ir lá uma vez por mês e tudo bem”, relata Josineide. O professor Walter Alves Pereira é um dos agenciadores. Dono da agência Dine–Tur Passeios Pedagógicos, que faz a divulgação dos cursos do IBME em escolas públicas e particulares de São Paulo, ele também organiza caravanas para a Unig (RJ) e para o IBME. Josineide só não entrou nessa fria porque as aulas foram adiadas e, como não tinha prazo para recomeçar, decidiu cancelar a matrícula. “Fiquei sabendo que estavam investigando a escola, mas a direção alegou que eram problemas internos. Pedi, então, reembolso do que havia pago (R$ 320). Consegui só os R$ 70 do ônibus. A matrícula não me deram. Entrei na Justiça contra a faculdade”, conta.

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Procurada pela reportagem de ISTOÉ, a responsável pelo IBME, Maria Aparecida Vianna, não quis dar nenhuma declaração. Pelo que parece, ela conta a seu favor com a morosidade da Justiça, com a falta de fiscalização mais rigorosa do governo e, claro, com a ilusão das pessoas de achar que conhecimento se compra no balcão.


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