Há 150 anos, o encontro entre um alfaiate e um dono de fábrica iria mudar o curso da moda (e da história). Em 1873, o alemão Levi Strauss e o americano Jacob Davis patentearam a primeira calça jeans, feita de sarja de algodão tingido de azul índigo, com bolsos frontais e traseiros, costuras duplas e rebites reforçados. O jeans 501® foi o primeiro modelo da marca que até hoje leva o nome de um dos fundadores: a Levi’s.

A razão da resistência de seus componentes estava na finalidade com que foi criada: vestir trabalhadores braçais, como mineiros, garimpeiros e operários, garantindo funcionalidade e durabilidade. Conta-se que o tecido jeans ou denim, por sua vez, surgiu em Nîmes, na França, quase um século mais cedo.

“É uma peça que extrapola sua função original e se torna um ícone da cultura pop”, diz Melody Erlea, autora do blog Repete Roupa. Nessas 15 décadas, a calça de brim azul transitou por diferentes grupos sociais, ganhando modelos e significados de acordo com cada momento.

A calça nunca deixou de ocupar corpos de trabalhadores, da fábrica ao escritório, e, desde a década de 1980, invade as passarelas. Na última Semana de Moda de Milão, marcas como Gucci e Diesel trouxeram bermudas e jardineiras masculinas.

É diverso o cardápio que compõe o universo jeans: cintura baixa ou alta, ajustada ao corpo (skinny) ou de modelagem larga (baggy, pantalona, oversized), com aplicações e lavagens diversas. Erlea ressalta: “Nunca é errado usar jeans”.

A professora de História da Moda da Faculdade Santa Marcelina, Miti Shitara, concorda: “Ele é bastante democrático. Você vê uma calça jeans e não consegue distinguir quem é quem”. A blogueira lembra que antes de se tornar popular e ganhar a alta costura, o jeans pulou do proletariado à contracultura. Na década de 1960, homens e mulheres vestiram a calça reforçada, tomando os chãos de terra dos grandes festivais de rock. “Eram jovens rebeldes, à procura de um sentido para uma vida diferente da de seus pais”, aponta Shitara.

A calça jeans comemora 150 anos de patente e segue na moda
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O simples fato de uma mulher passar a ser vista com a peça autorizou o uso por todas as outras: “Aos poucos, uma ideia vai se tornando menos contracultural e mais cultural”, pontua Erlea. E Shitara reforça a importância da calça na luta por igualdade: “Antes, roupas femininas tinham abertura traseira ou lateral. A frontal sendo usada por homens e mulheres não deixa de decretar uma moda unissex”.

Ela ainda destaca um dos motivos da sua imortalidade: “Na década de 1980, com o advento do moletom, dizia-se que o jeans seria superado pelo tecido confortável. Mas o moletom deformava e, quanto mais se usa o jeans, mais ele se adapta ao corpo”. Na pandemia, a morte do brim chegou a ser anunciada, mas a volta à normalidade detonou o boato: “Foi a primeira roupa que coloquei quando saí de casa novamente”, lembra a professora.

“O jeans 100% algodão é durável, o que o torna muito sustentável, desde que bem cuidado”, diz Fernanda Veríssimo, diretora de conteúdo e marketing da loja Yes I Am Jeans, em São Paulo.

Desde 2012, a marca foca na cadeia sustentável e está prestes a lançar um modelo 100% fabricado com resíduos de jeans antigos, mas aparência de novo. A cada ano, dois milhões de toneladas do tecido de brim azul vão parar em aterros sanitários e lixões.

A sócia, fundadora e diretora criativa da marca, Raquel Ferraz, acrescenta: “A premissa da sustentabilidade começa quando você tem uma peça de roupa feita para durar gerações e não uma estação”. A idealizadora do Repete Roupa, Melody Erlea, ainda guarda, com muito carinho, uma jaqueta Levi’s fabricada em 1972: “Herança do meu pai.”