Em 2002 as perspectivas para o Brasil poderão ser de sombras ou de luzes, dependendo do que fizermos em um mundo cada vez mais violento, imprevisível, desigual e multipolar.

Apesar dos esforços do governo George W. Bush (despesas militares, auxílio às empresas, redução dos juros), dificilmente se iniciará novo ciclo de expansão da economia global. A recessão sincrônica nos EUA, Europa e Japão poderá, todavia, abrir para o Brasil a oportunidade de estreitar relações econômicas, não apenas comerciais, com parceiros estratégicos como a China, a Índia e a África do Sul.

Prosseguirão em 2002 os esforços de Washington na OMC e na Alca para expandir a influência americana e consolidar os programas neoliberais, apesar de seus fracassos. As agruras argentinas, que se estenderão durante o ano, revelam aonde pode levar um programa econômico semelhante ao brasileiro: abertura radical, privatização com desnacionalização e fragilização do Estado. Se a Argentina servir de exemplo, devemos reorientar nossa estratégia para reduzir a vulnerabilidade externa, tornando possível lançar as bases para transformar o Mercosul em verdadeiro projeto de integração. Caso contrário, o bloco perecerá, em meio a ressentimentos.

Estará aberta em 2002 a oportunidade política e econômica para a construção de uma liderança na América do Sul. Esta somente poderá existir se o Brasil abrir o seu mercado a seus vizinhos e se não se tornar caudatário de qualquer grande potência, o que fatalmente ocorrerá, caso venha a se incorporar à Alca. As negociações para a área de livre comércio das Américas ingressarão em fase delicadíssima e terão de ser vistas diante dessas novas oportunidades.

A economia se entrelaça com a estratégia política global dos EUA, siderada pelo novo e elusivo inimigo, a luta sem tréguas contra o terrorismo internacional, com suas inesperadas consequências, como são o renovar do conflito indo-paquistanês e a conduta agressiva de Ariel Sharon na Palestina ocupada. Assim, não pode ser excluída a possibilidade, em 2002, de novos atentados terroristas nos EUA ou em aliados incondicionais como a Inglaterra.

Nesse clima, a continuidade do programa “escudo de mísseis” se torna ainda mais provável devido a seu impacto favorável sobre a economia americana e à sua utilidade como argumento para reforçar ou instalar novas bases militares. Porém, o programa torna ainda mais provável o renovar da corrida armamentista entre Rússia e EUA e, em consequência, entre Rússia e China, China e Japão, etc. Os americanos desenvolverão uma política unilateralista e intervencionista, procurando enquadrar os demais Estados, em especial os de sua periferia próxima, para auxiliá-los em seus embates no mundo multipolar e violento que emerge. Para tal mobilização, os Estados da periferia serão fáceis de articular e de alinhar, devido à recessão mundial e ao receio de suas oligarquias diante da crescente instabilidade social. Os casos de “enquadramento” que mais afetam o Brasil são os da Colômbia e da Venezuela, onde se experimentam perigosas estratégias de combate à guerrilha e de desestabilização de um governo democrático. A oportunidade para o Brasil, nessa situação sombria, é a de se tornar o paladino do direito internacional, da soberania e da autodeterminação, a começar pela sua vizinhança, sem recear retaliações que habitam a imaginação colonizada dos que atribuem sempre ao Brasil uma “escassez de poder” como justificativa para sua inação.

Empresários, trabalhadores, intelectuais, estudantes, profissionais, políticos, parlamentares, religiosos e militares terão de impulsionar o Estado e o governo brasileiro para não cederem diante das pressões internacionais e para transformar as sombras mundiais que traz 2002 em luzes para o povo brasileiro, que merece uma economia próspera, uma sociedade justa e um Estado democrático.