Um menino caminha pela estrada campestre de Bergen–Belsen, a 60 km de Hannover, na Alemanha, sem virar o rosto para os cadáveres nus amontoados no acostamento. A imagem faz parte de uma impressionante exposição no Palácio Real, em Milão, que relembra o extermínio dos judeus, 60 anos depois. “Os objetos e fotos dizem mais do que qualquer explicação sobre o holocausto”, afirma Hans Ottomeyer, diretor do Museu Histórico Alemão que organizou em Berlim outra mostra – a maior já feita sobre a tragédia –, reunindo objetos pessoais, como bichinhos de pelúcia, e retratos dos deportados para Auschwitz.

Ciente do impacto que as imagens e os depoimentos podem provocar, o cineasta Steven Spielberg decidiu montar um acervo para não apagar da memória essa tragédia humana que dizimou seis milhões de pessoas. Tudo começou em 1993, após as filmagens de A lista de Schindler, que documentou as atrocidades do holocausto. Dezenas de sobreviventes pediam ao cineasta para registrar suas histórias, memórias e relatos antes de eles se perderem no tempo. Spielberg montou uma equipe para entrevistar os sobreviventes. Foi assim que, em 1994, surgiu a Fundação Shoah, organização sem fins lucrativos que depende basicamente de doações. O diretor tirou US$ 6 milhões de seu bolso e arrecadou outros US$ 50 milhões para o projeto. Hoje a instituição tem 200 funcionários e quatro mil voluntários em 16 escritórios no mundo. A equipe recolheu 52 mil depoimentos em 57 países e 32 idiomas, entre os quais o português. O resultado são 116 mil horas de entrevistas em vídeo, material que uma pessoa levaria mais de 13 anos para assistir. O dilema, então, passou a ser como arquivar essa montanha de dados e dar acesso público ao maior arquivo oral da história do holocausto.

As fitas com os depoimentos chegaram aos Estúdios Universal, em Los Angeles, por navio, avião, barco e trem. E nem sempre tudo aconteceu na santa paz. Na Rússia, os entrevistadores tiveram dificuldade em encontrar famílias judias, que ainda vivem na clandestinidade. No Brasil, foram ouvidos 567 sobreviventes. Entre eles, Marika Gidali, 64 anos, fundadora da companhia de dança Ballet Stagium. Nascida em Budapeste, aos dez anos Marika chegou ao País, após sofrer os horrores do nazismo. “O Brasil me recebeu de braços abertos. Aqui eu não tinha que usar a estrela que identificava judeus, não tinha que atravessar a calçada por ser judia, nem sentia o preconceito”, diz a bailarina.

A romena naturalizada brasileira Pola Berenstein, 80 anos, que mora com a família no Recife, foi outra entrevistada. Filha de judeus, ela foi levada ao campo de concentração de Transnistria, antigo território romeno. “Lembro da noite em que começou a guerra. Minha irmã me disse: ‘Acorda, temos que fugir.’ Passei três anos e meio num campo de concentração, sem roupa, sem comunicação, sem nada”, relata Pola, com memória invejável.


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