Priscila Cabral nada tem a ver com o casamento da ex-prostituta de luxo Geni ou com o rico viúvo Herculano, um homem casto e conservador que controlava paranoicamente todos os passos da mulher, como descreve Nelson Rodrigues em Toda nudez será castigada. Em comum com a rodrigueana sátira de costumes escrita pelo dramaturgo pernambucano em 1965, Priscila tem a nudez e o castigo. A fim de tornar realidade o sonho de ser comissária de bordo, aceitou fazer fotos nua e virar capa de uma revista erótica. Com o cachê de R$ 650 quitou as mensalidades atrasadas do curso de comissária e, só dessa forma, foi possível fazer o exame de habilitação exigido pelo Departamento de Aviação Civil (DAC). Um ano depois, veio o castigo. Seus colegas da TAM, empresa para a qual trabalhou, descobriram a revista e “sentiram-se moralmente atingidos pelas fotos”, cobrando, então, uma posição da companhia.

A ex-comissária lembra sua história contando que começou a estudar inglês aos sete anos. Tudo voltado para a aviação. Em 1997, Priscila, com 19 anos, cursava a faculdade de educação física de Guarulhos quando sentiu o peso da realidade. Com a mãe desempregada e sem dinheiro para as mensalidades, abandonou o curso e foi procurar emprego. “O sonho de ser comissária acabou ficando cada vez mais longe das minhas possibilidades”, lembra ela, hoje com 24 anos. O primeiro emprego da jovem foi como recepcionista bilíngüe em um flat da alameda Campinas, nos Jardins, bairro nobre de São Paulo. Ela trabalhava no Hampton Park, quando reencontrou uma amiga de infância que a fez, mais uma vez, pensar em decolar rumo à aviação. “Ela era aeromoça da TAM. Meu sonho ressurgiu com toda força e fui fazer o curso preparatório para comissárias de vôo.” Ela ingressou na escola da própria TAM. O curso era pago e durava seis meses.

De manhã, o curso. À tarde, o trabalho no Hampton. Priscila começou a chegar atrasada, não conseguia conciliar suas obrigações. Decidida, pediu demissão para se dedicar integralmente ao curso. Arrumou um bico pensando que daria para pagar as despesas. “Fui vender CD em um posto de gasolina no Tatuapé. Foi um desastre. Às vezes eu não tinha dinheiro nem para pagar a passagem.” Foi nesse posto de gasolina, em novembro de 1998, que ela conheceu o fotógrafo Fernando Vargas, da revista Brazil Sex Magazine, publicação erótica da editora 2M. “Ele perguntou se eu estava interessada em fazer nu artístico. Recusei a proposta, mas ele deixou um cartão comigo”, embrou. No último mês do curso, em março de 1999, o desespero tomou conta de Priscila. Ela estava com as duas últimas mensalidades atrasadas. “Quem não estivesse com o pagamento em dia não poderia fazer a prova do DAC. Eu não podia esperar mais, aceitei o convite. Fiz as fotos, virei capa da revista e com o cachê quitei o curso.”

Em maio de 1999, passou na prova do
DAC. Habilitada, começou a batalha para ingressar em uma companhia aérea. Em outubro, foi contratada pela própria TAM. Três meses depois, recebeu seu primeiro elogio público. Ela virou notícia na revista especializada Viracopos. Durante um
vôo, uma criança chorava muito. Priscila percebeu que o bebê estava com dor de ouvido devido à pressão na aeronave e orientou a mãe a dar a chupeta à
criança para reduzir o problema e
acalmar os passageiros. Para convencer
a irredutível mãe a deixá-la pegar o bebê, ofereceu-lhe algo para comer. “No primeiro momento de distração dela, dei a
chupeta para a criança e ela parou
de chorar”, lembrou Priscila.

Depois desse episódio, passou a fazer plantão no Sistema de Prevenção a Acidentes de Aeronaves (Sipaer). “Não larguei o vôo, mas uma vez por semana dava plantão lá redigindo boletins informativos de medicina aeroespacial com orientação dos médicos da empresa.” Os boletins eram anexados em murais da empresa para orientar outros profissionais sobre como reagir em uma situação adversa. Em 15 de janeiro de 2001, ela tirou as primeiras férias. Estava de malas prontas para viajar para Natal quando foi chamada na chefia de comissários da TAM. “Pensei que ia receber algum elogio pelo meu empenho, mas fui demitida por causa das fotos que havia tirado muito antes de entrar na empresa”, afirmou Priscila. “Entrei em depressão, não conseguia arrumar outro emprego. Estava condenada pelas fotos que fiz.”

De acordo com a assessoria de imprensa da TAM, Priscila foi demitida porque houve uma solicitação do próprio grupo de trabalho do qual fazia parte, depois de saber da existência da revista. “Os colegas se sentiram moralmente ofendidos pelas declarações de baixo nível dadas por ela à publicação e também pelas fotos que mostram um exibicionismo indecoroso que nada tem a ver com fotos de nu artístico.” Há três meses, Priscila é professora em um curso preparatório para comissária, em Guarulhos, região da Grande São Paulo, e dá seguimento a um processo trabalhista contra a TAM, por ficar, sem nada receber, à disposição da companhia em terra. Ela ainda mantém o velho sonho de voar, mas não pensa em pedir reintegração através da Justiça ou mover um processo por danos morais. E explica por que: “Não fiz nada contra ninguém. Tirei as fotos para conseguir chegar lá e roubaram a minha paz.”