Depois de ter virado vidraça nacional por defender seus interesses corporativos na reforma da Previdência, o Judiciário começa a arregaçar as mangas para tentar limpar uma imagem mais do que desgastada pelas regalias e pela morosidade. As recentes críticas da paquistanesa Asma Jahangir, relatora especial para Execuções Extrajudiciais Sumárias ou Arbitrárias da Organização da ONU, que classificou a Justiça brasileira de surda e morosa, feriram ainda mais os brios da toga. Na busca por mudanças, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem servido de fonte de inspiração, como apontou o secretário Nacional da Reforma do Judiciário, Sérgio Renault. Em entrevista a ISTOÉ, ele elogiou o modelo de autonomia financeira que há quatro anos libertou o TJ fluminense da dependência do governo estadual. Enquanto o cidadão de outros Estados leva até quatro anos para saber em que cartório caiu seu processo, no Rio a distribuição chega a ser feita em 24 horas. O porcentual de processos julgados, em relação aos impetrados em um ano, chega a 93%, o mais alto índice do País.

Em uma reunião prevista para o fim do mês em São Paulo, presidentes dos tribunais vão conhecer detalhes da experiência fluminense. “Só é possível atingir a auto-suficiência com autonomia financeira”, vai receitar o desembargador Miguel Pachá, presidente do TJ do Rio. Até 2004, ele pretende concluir a informatização do Tribunal e completar a marca de 21 fóruns inaugurados. Com a autonomia, o orçamento do TJ do Rio quintuplicou: pulou de R$ 40 milhões para R$ 190,7 milhões. A dinheirama serviu para informatizar 98% do sistema, o que permite um controle de qualidade do trabalho dos juízes, incluindo o cálculo do tempo médio que cada um leva para fazer – ou não fazer – seus julgamentos.

A história começou a mudar em 1999, graças a uma lei do então governador, Anthony Garotinho (PMDB) destinando 20% da arrecadação de todos os cartórios para o Fundo Estadual do Tribunal de Justiça. O Fundo fora criado no governo Marcello Alencar (PSDB), com fontes que iam de custas judiciais a verbas de inscrição em concursos públicos, mas o pulo do gato foi mesmo a transferência do dinheiro dos cartórios. “Foi a nossa libertação, deixamos de andar com pires na mão”, comemora o desembargador Miguel Pachá. Com dinheiro em caixa, o TJ não precisa se submeter às limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal, que engessa tribunais País afora.

Apesar do banho de loja e de modernidade, a nova fase não agrada a todos. “O atendimento na segunda instância é um modelo de excelência, mas na primeira o caos continua”, reclama o presidente da OAB estadual, Octavio Gomes. “O que não falta hoje é dinheiro.” Apesar das críticas, ele parabeniza o modelo de autonomia financeira implementado por Garotinho.

A arrecadação do TJ do Rio não pára de crescer. A média mensal de arrecadação este ano está em R$ 18 milhões, R$ 2 milhões a mais
do que a média de 2002. É tanto dinheiro que o TJ se dá ao luxo de emprestar uns trocados para seu antigo provedor, o governo estadual: antecipou parte dos royalties do petróleo em 2002 e, no começo deste ano, emprestou R$ 120 milhões. Contrastando com os dias felizes do desembargador Pachá, seu colega Sérgio Augusto Nigro Conceição acredita que o Tribunal de Justiça de São Paulo, que ele preside,
está à beira do abismo. “Estamos engessados por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal”, desabafa Nigro. A carência de 11 mil funcionários faz crescer as pilhas de processos. A exemplo do Rio, há em São Paulo um fundo especial, mas os recursos não são suficientes para desafogar a Justiça porque não podem ser gastos com pessoal.