Em seu mais recente livro, A onda que se ergueu no mar, o jornalista Ruy Castro afirma que todo brasileiro devia ter direito a um cantinho e um violão, céu azul, ar puro, mulher bonita e por aí vai. É essa a sensação transmitida por Juventude/ Slow motion bossa nova (Dubas Music), a terceira aventura musical do compositor fluminense Ronaldo Bastos – letrista de verdadeiros hinos da MPB como Cais, Nada será como antes e O trem azul – e do músico carioca Celso Fonseca. Na faixa de abertura, Samba é tudo, o violão entra cadenciado, joãogilbertiano. Assim que o corinho onomatopaico, à maneira do Quarteto em Cy, encerra a introdução, Fonseca começa a cantar uma letra falando da origem do samba e criticando aqueles que “não tem valor”, só “pretensão”. As palavras teriam o endereço certo, a gravadora Trama, que se apresenta como a nova dona do samba.

Mas Bastos tira o mal-estar de letra, sem trocadilhos, afirmando que detesta polêmicas e que nesses assuntos se comporta como “um beatle” – lacônico e olímpico. “É apenas um comentário, eu estava querendo falar de samba”, explica. E samba é o que não falta no disco. Segundo o compositor, a idéia não era fazer um disco de bossa nova, mas de canções modernas, bonitas, com letras diretas. Típicas da parceria entre os dois, surgida informalmente nos anos 80, quando Fonseca, guitarrista de Gilberto Gil, deixou uma fita com suas composições nas mãos de Bastos, sem grandes esperanças. Afinal, o co-autor de alguns dos maiores sucessos de Milton Nascimento e Lô Borges era conhecido pelo tempo enorme que levava para realizar um trabalho. Pois Ronaldo Bastos escreveu as letras de uma sentada, entre elas Sorte, que viria a fazer sucesso nas vozes de Gal Costa e Caetano Veloso.

Essa fita deu origem a Sorte, primeiro álbum da dupla, de 1994, seguido três anos depois por Paradiso, um disco ignorado pela crítica e cultuado por inúmeras pessoas, entre elas o publicitário Washington Olivetto, o responsável pela existência deste terceiro Juventude ao se tornar o parceiro financeiro da empreitada. Minutos antes do sequestro de Olivetto, na terça-feira 11, Bastos falou com o publicitário por telefone. “O cara está mais animado que eu com o disco”, afirma. Também pudera. As 14 músicas, todas parcerias Bastos-Fonseca, com exceção de O que restou de nosso amor, tema de Charles Trenet para o filme Beijos roubados, de François Truffaut, e La piú bella del mundo, do “vecchio” Mariano Marini, um ídolo de Bastos, mantêm um nível há muito ausente em nossa música.

Pela primeira vez, o compositor acostumado a trabalhar sobre melodias, inverteu o processo entregando ao músico as letras prontas de Dylan em Madrid, O sorriso de Angkor e Ledusha com diamantes. Bastos insiste que, “mais do que bossa nova, este é um disco de bossa, despretensioso”. Como ele próprio, que, sempre que lhe perguntam o que significa Cais, responde com um pequeno sacrilégio, deixando de lado sua parceria com Milton Nascimento. “Era um lugar em São Paulo onde eu dava uma passadinha com o Cazuza antes de cair no Val Improviso”, afirma, referindo-se a dois bares barra pesada dos anos 80 e hoje lendários.