Filho de jornalista e pai de diversas publicações de importância fundamental para o jornalismo brasileiro moderno, a começar pela própria ISTOÉ, o genovês Mino Carta também alimenta uma paixão pelas artes plásticas. A ligação com a atividade artesanal talvez ajude a explicar o tratamento que ele deu ao seu primeiro romance, O castelo de âmbar, lançado há três anos, cuja conclusão, A sombra do silêncio (Francis, 224 págs., R$ 32), acaba de chegar às livrarias. Carta optou pelo roman à clef, ou pela sátira à clef como prefere, numa referência à literatura de ficção baseada em elementos reais, com razoável inspiração em sua própria vida, adornando-a com preciosismos técnicos e intrincadas citações clássicas típicas da cultura mediterrânea. Tal atitude pegou seus admiradores de surpresa. Afinal, de um jornalista veterano e combativo, que não só conviveu com o poder como ousou confrontá-lo em diferentes ocasiões, esperava-se uma espécie
de memorabilia de redações célebres ou pelo menos um painel das modificações sofridas pela categoria nas últimas décadas. Um texto que abrigasse revelações espantosas e confissões doídas. Elas não estão ausentes, é certo. Mas a opção de se criar um país imaginário habitado por personagens de ficção, no que pese a identificação imediata em muitos casos, tornou o texto cifrado para quem não se contenta apenas com apuro técnico.

No primeiro volume, um advogado recebe da secretária de Mercúcio Parla – jornalista recentemente falecido e para todos os fins alter ego de Carta – uma caixa com manuscritos, cartas e pequenos textos que devem ser reunidos à guisa de memória. Os documentos constituem a matéria-prima dos livros. Mas se em O castelo de âmbar, Mino Carta desenhou e coloriu à sua rica maneira o pas-de-deux entre imprensa e poder, em A sombra do silêncio ateve-se às razões do coração, centrando a história na sua paixão por Core Mio, a amada que conheceu na rua Áurea, que pode ser traduzida por rua Augusta, e que se tornou sua companheira até a morte dela, lamentada a todo momento. Uma situação vivida pelo autor com sua mulher Angélica, a quem o primeiro livro é dedicado. A saga de Parla é encerrada neste segundo volume, no qual o autor reforça a metáfora do castelo de âmbar, o refúgio eterno. Alheio à necessidade de pajear o leitor através de um fio condutor, Carta povoa as páginas com sua erudição como quem aceita o desafio da tela em branco. Intrincada, rebuscada, daquelas cuja leitura exige a companhia de um bom dicionário, esta é a sua versão.
E quem quiser que conte outra.


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