A aparição não poderia ser mais cinematográfica. Metralhado por dezenas de flashes e olhares atentos de quase 100 jornalistas e curiosos, Roberto Carlos, invariavelmente vestido de azul, trespassou a cortina de veludo – azul – do pequeno palco do Golden Room do hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, provando que é mesmo o Rei. Embora demonstrasse tensão, enfrentou com galhardia os incômodos primeiros minutos na entrevista coletiva realizada na quarta-feira 12. O motivo para tanta movimentação é o lançamento de seu novo e aguardadíssimo disco Roberto Carlos acústico MTV, seu melhor trabalho em 20 anos. Não é exagero afirmar que este é um momento histórico da música pop brasileira. Fãs de carteirinha ou que só se ligam na obra seminal do cantor e compositor, perpetrada em todos os anos 60, certamente concordarão que o álbum é uma preciosidade. São 14 canções que fazem um resumo enxuto de uma coroada carreira de 42 anos. Canções já entranhadas no imaginário nacional ou que concorrem para se tornar clássicos, como a bela e triste declaração de amor Eu te amo tanto, dedicada à sua falecida mulher Maria Rita. O CD inteiro, aliás, é dedicado a ela, a musa eterna do Rei. “Maria Rita é meu presente, meu passado e com certeza absoluta meu futuro”, afirmou ele sobre a possibilidade zero de vir a formar um novo casal. Só quer agora viver para a música e para a família.

Pelo que se prevê, Roberto Carlos acústico MTV também quebrará um recorde real. Chega às lojas, antecipadamente, com dois milhões de cópias vendidas. Seus maiores números até o momento são do disco Roberto Carlos, de 1994, o da música Alô, que vendeu 1,86 milhão. Cercado de um sigilo empresarial, durante a última semana o CD esteve trancado sob 700 chaves na gravadora Sony Music. Apenas uma cópia era ouvida internamente, mesmo assim monitorada com um cuidado tão grande quanto o da pedra filosofal do livro de Harry Potter. Além da preocupação com a pirataria, um outro assunto polêmico ronda o disco. É a briga entre a Rede Globo, que detém os direitos de imagem do Frank Sinatra brasileiro, e a MTV, dona do projeto. Enquanto as duas emissoras não solucionam o impasse, não se verá o programa gravado no Rio, em maio passado, para uma platéia exclusiva de 150 convidados. Nem o programa, nem o possível DVD. “Tenho interesse em ambos, por isso espero que todos cheguem num acordo”, torce Roberto que, surpreendentemente, falou de política e defendeu o presidente Fernando Henrique Cardoso, em quem votou, alegando que o controle da inflação foi um grande feito.

Também demonstrou ter recuperado o humor depois da agonia pública vivida durante a doença e a morte de Maria Rita. “Eu cortar o cabelo? É ruim, hein?”, brincou o ídolo de 60 anos ao responder por que não mudava o visual. Só ele mexe no seu cabelo. É uma das muitas manias cultivadas há anos. Mesma determinação com que burilou este novo trabalho de técnica impecável e arranjos elegantes feitos pelo produtor do disco Guto Graça Mello e pelo maestro Eduardo Lages. Roberto ainda driblou a linha dos acústicos MTV. Não há convidados cantando, mas tocando. São três os privilegiados. Tony Bellotto, dos Titãs, faz um ótimo solo de violão em É preciso saber viver. “Nem acreditei quando fui convidado. Roberto Carlos transcende a condição de pop star. Representa um Brasil que não existe mais como na época da jovem guarda”, afirma Bellotto. “Ele é quem trouxe a linguagem pop para a música brasileira.” Samuel Rosa empresta jovialidade ao solo de violão no rock, agora com acento pop, É proibido fumar. “Aproveitei todos os momentos e acho que aprendi um pouco com ele. O que mais me chamou a atenção foi o quanto ele consegue ser tão criterioso e a sua perseverança em melhorar os arranjos”, diz Rosa. Milton Guedes, darling de Lulu Santos, Caetano Veloso e Elba Ramalho, entre outros, faz um solo de gaita maravilhosamente blues para o andamento mais leve de Parei na contramão. “Ele gosta de trabalhar os solos. Lembro ter gravado 14 vezes num outro disco”, conta Guedes.

Jovem guarda – Unanimidade na classe artística, Roberto Carlos no comando da jovem guarda influenciou desde os tropicalistas até quase todos os grupos nacionais de rock. Roberto Frejat, vocalista e guitarrista do Barão Vermelho, ressalta e coloca o Rei no mesmo panteão de influências pessoais que os Beatles. “O Roberto continua sendo um dos maiores intérpretes que o Brasil já teve. Fez algo que o Elvis Presley não conseguiu: a transição de ídolo teen para um grande cantor maduro”, analisa Frejat. É uma constatação rigorosamente precisa. Neste disco Roberto se supera como intérprete. Quando se pensava, por exemplo, que a gravação original de Detalhes fosse a definitiva, ele surpreende com uma leitura superior de uma das canções mais lindas já compostas. Nando Reis, baixista dos Titãs, diz que é a música que se tocou no céu, quando este se formou. Uma outra releitura de destaque é As curvas da estrada de Santos, em levada ligeiramente mais rápida. Sem contar a definitiva Emoções, de versos vigorosos: “Em paz com a vida/e o que ela me traz/na fé que me faz otimista demais/se chorei ou se sofri/o importante é que emoções eu vivi.” E que o Brasil inteiro compartilhe da mesma onda de emoções.

Colaboraram Celso Fonseca e Ivan Claudio

Papai, me empresta o carro

Sara Duarte

Roberto Carlos Braga II, o Dudu, é o mais sortudo fã do Rei. Filho mais velho do cantor, sabe de cor todas as suas músicas, dirige seus negócios e fala com ele todo santo dia. Mas nem por isso se reserva o direito de levá-lo ao estúdio da rádio Nativa FM (95,3), em São Paulo, onde apresenta o programa As canções que você fez pra mim. “Todo Natal as fãs esperam um CD do meu pai. A diferença é que neste ano não serão só elas”, acredita Dudu, 33 anos. Publicitário de formação, há pouco mais de um ano ele faz as vezes de um disc-jóquei diferenciado tocando músicas do pai, contando casos curiosos e respondendo a perguntas das fãs. A atração deu tão certo que, além de ser retransmitida por 50 rádios, ocupa dois horários: das 5h às 6h e do meio-dia às 13h. Sua satisfação é poder contar em minúcias histórias saborosas, como a do cachorro que sorri latindo na música O portão. “Tínhamos um vira-lata chamado Axaxá, que ficava todo feliz quando meu pai voltava do trabalho. Até uivava ao ouvir sua voz no rádio”, conta. Sensível, este Axaxá.