Quando a lista dos indicados ao 74º Oscar foi divulgada na terça-feira 12, o diretor brasileiro Walter Salles estava em Cuba. Sem querer, ele se encontrava no refúgio perfeito para os renegados, já que seu filme Abril despedaçado não foi incluído na relação de concorrentes à premiação de melhor filme em língua estrangeira. Em vez da sua obra, a maioria dos 5.736 votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood preferiu, por exemplo, estranhamente indicar o musical indiano Lagaan, que aterrissou nas prateleiras das locadoras de vídeo americanas sem escalas nas salas de projeção do país. Seria uma substituição suficiente para fazer o ofendido pegar em armas e promover uma revolução, certo? Mas Waltinho, como o cineasta é chamado, não deu um único tiro. Aliás, nem faz seu gênero. À sua maneira blasé, ele se entrincheirou em Havana, onde se debruça sobre uma pesquisa para seu novo trabalho, uma biografia de Che Guevara. É certo que não é consolo, mas o diretor se encontra em boa companhia no quesito excluídos. Além dele, os juízes esnobaram significativamente os filmes Mulholland drive, do americano David Lynch, que acabou sendo indicado para a categoria de melhor diretor, O quarto do filho, do italiano Nanni Moretti, e Il mio viaggio a Italia, do eterno refutado Martin Scorsese, há décadas um dos melhores profissionais do cinema americano, mas que como diretor nunca recebeu um Oscar. Desta maneira, Salles integrou uma outra lista: a dos melhores esnobados.

Na verdade, tudo o que Hollywood costuma vender não foi levado em consideração. Blockbusters como Harry Potter e a pedra filosofal ou Pearl Harbor só integram as categorias menos nobres. Mesmo O senhor dos anéis – a sociedade do anel, de Peter Jackson, que concorre em 13 categorias, não fechou o ciclo dos chamados cinco grandes (filme, diretor, ator, atriz e roteiro). Para o quase desconhecido Jackson concorrer a um troféu de melhor diretor, melhor filme e melhor trilha sonora, entre outros, foi uma festa e um alívio. Principalmente, se considerar que a New Line – um miniestúdio dentro da gigante AOL Time Warner – prometeu US$ 300 milhões para a trilogia baseada no livro do sul-africano J.R.R. Tolkien. Caso Jackson fracassasse, provavelmente a New Line cancelaria o compromisso, dando os anéis para não perder os dedos.

Mágica – A parada na disputa de melhor filme, porém, vai exigir muito mais do que os passes de mágica de O senhor dos anéis. Competem com a superprodução: Entre quatro paredes, de Todd Field; Uma mente brilhante, de Ron Howard; Moulin Rouge – amor em vermelho, de Baz Luhrmann, também esnobado na categoria de melhor diretor; e Assassinato em Gosford Park, que finalmente pode dar um tardio Oscar a Robert Altman, freguês de carteirinha de listas de preteridos do passado. O diretor já deveria ter faturado a estatueta com os clássicos M.A.S.H. (1970) e Nashville (1975). Desta vez, ele escolheu uma típica história inglesa de mistério para fazer seus comentários iconoclastas. Gosford Park é uma espécie de Agatha Christie com consciência social. Reúne grandes nomes do teatro britânico – considerado o melhor do mundo – e os coloca nos papéis de serventes numa mansão onde acontece um crime, em 1932. Nas bizantinas relações entre patrões e empregados está o fio da meada finamente enrolada por Altman, na qual a resolução de um assassinato serve apenas como chamariz para um devastador retrato do sistema inglês de classes.

Altman enfrenta nesta corrida os diretores Ridley Scott (Falcão Negro em perigo); David Lynch (Mulholland drive); e Peter Jackson. Mas seu maior rival é o ex-garoto prodígio Ron Howard, hoje com 48 anos. Em Uma mente brilhante, Howard mostra a saga de um homem contra seus próprios demônios criados pela esquizofrenia. Trata-se de uma livre adaptação da biografia do gênio matemático John Forbes Nash, Jr., Prêmio Nobel de Economia de 1994. Num ano de tantos esquecimentos e esnobadas, a surpresa também veio com a inclusão de eternos desprezados: os artistas negros. Nunca, em 74 anos, o Oscar teve tantos concorrentes afro-americanos como agora. São três os nomeados em categorias importantes. Dois deles disputam a de melhor ator: Denzel Washington, por Um dia de treinamento; e Will Smith, por Ali, no qual interpreta o ex-boxeador Mohamed Ali.

Melhor chance tem Will Smith, considerado uma das usinas de fazer dinheiro na indústria de entretenimento. Ele já acumula prêmios como o Grammy, pelos seus discos de rap; Emmy, pelo trabalho numa série de televisão; e mais uma infinidade de troféus menores. É recordista de bilheterias com vários filmes e investe agora em produção. Está por trás do lançamento em breve de Mib 2, a sequência do bem-sucedido Mib – homens de preto. Seus rivais na categoria são Tom Wilkinson, pelo seu papel em Entre quatro paredes; Sean Penn, por Uma lição de amor; e o ótimo Russell Crowe, de Uma mente brilhante. Entre as mulheres, Halle Berry é a sexta negra a receber uma indicação em toda a história do Oscar por A última ceia. A lista ainda inclui Sissy Spacek, por Entre quatro paredes; Renée Zellweger, azarona com O Diário de Bridget Jones; e Nicole Kidman, que já faturou o Globo de Ouro por Moulin Rouge – amor em vermelho.