A enxurrada de cenas felizes divulgadas pela mídia na virada do ano quase faz esquecer que houve um tempo neste país em que só existiam dois caminhos para quem queria mudar o Brasil: lutar ou perecer. Muitos tombaram na luta. E uma parte dos que conseguiram sobreviver à cadeia, os que resistiram à dureza do exílio, cultivando o sonho de uma Nação mais justa, igual e soberana, chegou ao poder. Eles ocupam agora a vanguarda da política nacional. Lula, José Dirceu, José Genoino e Gilberto Gil, na virada deste ano, em Brasília, brindaram com o espumante nacional Miolo a esperança no futuro. Onde estavam essas figuras há 30 anos?

“Eu estava exilado em Cuba e tendo treinamento de guerrilha”, lembra Dirceu, 56 anos, atual chefe da Casa Civil. Em 1968 ele fora preso durante um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, acusado de militar em organizações de esquerda, liderar passeatas e “promover arruaças”. Ele seguiu para Cuba após ser
trocado, com outros presos políticos, pelo embaixador americano
Charles Elbrick, sequestrado por militantes de esquerda. No país de
Fidel Castro, fez cirurgias plásticas para retornar clandestinamente ao Brasil. Mas foi em 1980, um ano depois de ter sido beneficiado pela Lei
da Anistia, que teve o encontro fundamental de sua vida com o PT. “Assinei a ata de fundação com o sentimento de que acabava de readquirir meus direitos políticos e minha nacionalidade que a ditadura roubara. O PT entrou em minha vida para não mais sair”, diz.

José Genoino, presidente nacional do PT
e ex-militante do PCdoB, foi quem passou
os piores réveillons daqueles anos. “Na manhã do dia 18 de abril de 1972, fui detido, sozinho, na região do Araguaia. Pertencia a um grupo de preparação da guerrilha constituído por 21 pessoas. Fui amarrado a uma árvore e passei a ser torturado com queimaduras e afogamentos. Fui submetido a interrogatórios, ao “pau
-de-arara” e a choques elétricos”, escreveu ele em artigo para a imprensa. Ficou preso durante cinco anos e por pouco não morreu nos porões militares. Cearense de Quixeramobim, Genoino foi reeleito cinco vezes como deputado federal por São Paulo, tendo alcançado, em 1998, a maior votação
do País, com 307.000 votos. Na disputa pelo governo paulista
em 2002, foi derrotado pelo tucano Geraldo Alckmin. Petista desde
1982, Genoino será um dos artífices da estratégia do partido
para garantir a governabilidade no Congresso.

O baiano Gilberto Gil nem cogitava se filiar a partidos políticos e,
muito menos, exercer cargos públicos, mas mantinha uma importante trincheira de luta contra a ditadura: a música. Um dos líderes, ao lado
de Caetano Veloso, do movimento tropicalista, foi preso em 1969 e respondeu à truculência lançando a irônica Aquele abraço. A situação ficou tensa e os dois compositores se exilaram na Inglaterra. O réveillon de 1972 foi o primeiro após voltar ao Brasil, mas a alegria de estar em casa não diminuiu a perseguição política. Filiado ao PV, Gil é o ministro
da Cultura do governo Lula, mas foi como cantor e compositor que ele brilhou na festa da posse. Cabelos rastafári, Gil abriu sua apresentação cantando: “Viajando num pau-de-arara/ Eu penei, mas aqui cheguei.
” Era a conexão imediata com grande parte de um público que
despencara de ônibus desconfortáveis do Nordeste até o Distrito
Federal. “Aqui será o espaço da criatividade, da memória e da
invenção”, disse o cantor, desenhando seu ministério.

São poucos os ministros de Lula com mais de 50 anos que estavam livres há 30 anos. Responsável pela pasta das Minas e Energia, Dilma Roussef, 55 anos, também carrega um histórico de cadeia, repressões e ações armadas. Ela tornou-se presa política no dia 16 de janeiro de 1970. Foi militante da Política Operária (Polop) em Minas, integrante do diretório do Comando de Libertação Nacional (Colina) e uma das articulistas da fusão do Colina com a Vanguarda Popular Revolucionária, que deu origem à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-P). Dilma passou anos variando codinomes, como Estela, Luiza, Patrícia ou Wanda. Antes de se tornar ministra, a economista foi secretária da Fazenda e secretária de Energia, Comunicações e Minas do Rio Grande do Sul.