Com um contingente de 1,3 bilhão de fiéis, o que representa um quinto da população mundial, o islamismo é a religião que mais cresce no mundo. Embora sua capacidade de arregimentar seguidores continue em alta, como refletem as imagens de peregrinos em Meca, na Arábia Saudita, o mundo muçulmano se viu confrontado em 11 de setembro com o desafio de demarcar as fronteiras da religião com o fanatismo sangrento, personificado na figura do terrorista saudita Osama bin Laden. Para a maioria dos analistas, isso só será possível se os países muçulmanos avançarem no processo de democratização, começando pela separação entre o Estado e a religião, como aconteceu com o cristianismo a partir do século XVI. “Os cristãos levaram quatro séculos para resolver o problema”, lembra o cientista político Braz de Araujo, da Universidade de São Paulo. “No Brasil de dom Pedro II, era o imperador quem nomeava os bispos.”

Numa crença cujo próprio nome – islamismo – significa submissão aos desígnios de um único Deus (Alá), difundidos pelo profeta Maomé (570-632), há uma tendência de domínio das autoridades religiosas sobre a sociedade civil. Esse é um terreno fértil para a expansão dos fundamentalistas que, além de não conseguirem conviver com o pluralismo, às vezes fornecem quadros para o terrorismo, mesmo involuntariamente. “O grande desafio para o Islã é construir um modelo muçulmano de democracia, o que significa uma ruptura com o fundamentalismo”, afirma Araujo. “Esse modelo não vai estar distante de valores e instituições que conhecemos, como a alternância de poder, os partidos políticos e o sufrágio universal.”

A Indonésia, o mais populoso país muçulmano, tem quase 90% de seus 220 milhões de habitantes rezando em direção a Meca e começa, depois de décadas de ditadura militar, a buscar esse modelo democrático pluripartidário. O processo de instauração da cidadania deverá, no entanto, variar de acordo com cada realidade. Na Turquia, que convive há tempos com uma tradição laica, esse processo ainda está sob a sombra da tutela militar. No mundo árabe, a novidade aparece através da mídia, por causa da rede de televisão Al Jazira, que driblou a censura oficial predominante no mundo muçulmano. “Este é um grande fenômeno”, reconhece o historiador Gilles Kepel, do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Autor consagrado, em seu último livro, A Guerra Santa – expansão e declínio do islamismo, Kepel defende a tese de que a religião difundida pelo profeta Maomé deixou de ser um fator de coesão social. “Nos anos 70, o islamismo era uma utopia”, diz Kepel. “Deixou de sê-lo depois de estar no poder e se envolver em casos de injustiça e corrupção.” Corrupção e injustiça não são exclusividade dos países islâmicos. Não é o caso da união entre Igreja e Estado. Enquanto essa fusão existir, o terrorismo fundamentalista continuará sendo uma ameaça à civilização.