Quem não gostaria de tomar um elixir que garantisse uma memória à prova de falhas? Lembrar de tudo, nos mínimos detalhes, sem a necessidade de olhar a agenda a cada 15 minutos ou checar os bilhetinhos colados na mesa? Pena que essa pílula mágica ainda esteja distante de ser inventada. No entanto, o conhecimento sobre os mecanismos da memória garimpados nos últimos anos pela ciência estão ajudando na criação de terapias cada vez mais eficazes para manter e recuperar as recordações. A consequência é a multiplicação de centros de tratamento especializados que garantem atendimento de primeira linha para o problema. No Brasil, o mais novo exemplo dessa tendência é a inauguração da Clínica da Memória do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, prevista para o final deste mês.

Integrada por profissionais de diversas especialidades, a clínica terá como objetivo conter a perda de memória e ajudar na sua recuperação. Para isso, os especialistas pretendem realizar uma minuciosa investigação das causas e do estágio do problema. “Usaremos de testes de raciocínio e memória a exames cerebrais sofisticados”, informa o geriatra Fábio Nasri, coordenador da clínica. Na clínica, também as famílias de pacientes
com falhas severas de memória receberão orientação sobre como lidar com o doente. “Esse apoio é essencial para a recuperação porque geralmente os familiares passam a maior parte do tempo com os pacientes”, explica Anita Taub, neuropsicóloga do hospital. No Brasil, outro local onde já é possível encontrar algumas das estratégias mais modernas para a recuperação e manutenção da memória é o Hospital Rede Sarah, em Brasília.

É de lá uma das mais recentes e engenhosas técnicas de resgate das lembranças em pessoas que sofreram lesão cerebral em áreas envolvidas no processamento da memória e, por isso mesmo, apresentam dificuldades. Esses pacientes são submetidos a um exame de ressonância magnética funcional para que os médicos possam ver as condições do cérebro. Durante o teste, são feitas várias perguntas para investigar a capacidade da memória e da atenção do indivíduo. A cada resposta, moléculas de oxigênio são enviadas às regiões cerebrais que estão sendo ativadas para solucionar as dúvidas. Dessa forma, observando o caminho feito pelo oxigênio, é possível identificar as novas áreas que o doente está usando para tentar responder. A partir da descoberta, a estratégia é estimular a região que está sendo acionada para que o processo da memória volte a ser possível utilizando os neurônios do local.

O sucesso da técnica pode ser conferido com a recuperação do cantor Herbert Vianna, 38 anos. Há um ano, ele sofreu um acidente de ultraleve e teve traumatismo craniano acompanhado de perda da memória. Herbert ficou com uma grave lesão no hipocampo, uma das áreas mais importantes para a evocação de acontecimentos passados. Ao submeterem o músico ao exame de ressonância, os médicos verificaram que a nova área acionada por ele é a região occipital, responsável pela memória visual e que não tinha sido atingida. Por isso, esse tipo de memória foi o alvo dos estímulos. “A primeira medida que tomamos foi pedir para trazerem o violão ao Herbert. Aos poucos, ele foi se acostumando a olhar a posição dos dedos no instrumento de acordo com as notas e voltou a tocar e cantar”, conta Lúcia Willadino Braga, coordenadora da pesquisa que levou à criação do método. Herbert mostra que sua recuperação não tem limites. Segundo seu irmão Hermano, o músico não treina a sua memória apenas com cantoria, mas também se reúne com os amigos do Paralamas do Sucesso para criar arranjos musicais.

Na verdade, a estratégia usada no novo tratamento é um exemplo da principal tendência do combate aos problemas de memória: antes de qualquer procedimento, deve-se investigar a origem das falhas e só então partir para o contra-ataque. E, até agora, a medicina já definiu uma lista das principais causas. Nas pessoas com idade entre 25 e 50 anos, o stress está entre os maiores vilões. Os lapsos provocados pelo mal são muito comuns entre os executivos, por exemplo. “Além do fluxo constante de informações recebidas, muitos deles não conseguem delegar tarefas para diminuir a tensão”, explica Ruth Ferreira Santos, psicóloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Nem todo stress é prejudicial. Um grau leve favorece a memória porque deixa a pessoa em estado de alerta, necessário para receber e estocar informações. “O problema é quando
o stress é intenso e prolongado. Ele traz consequências como cansaço
e falta de atenção, dificultando a memorização”, ressalta a enfermeira Eliane Correia Chaves, professora
de enfermagem da Universidade
de São Paulo (USP).

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

O administrador de empresas Áureo Dias de Oliveira, 44 anos, de São Paulo, sofreu essas consequências. Há anos ele teve falhas de memória, que se tornaram constantes. “Perdi reuniões e consultas médicas, pois não me lembrava dos compromissos”, conta. Para contornar o problema, passou a espalhar lembretes pela casa. Há pouco mais de um ano, Oliveira procurou ajuda médica. Com o diagnóstico de stress, recebeu a recomendação de delegar as tarefas e ter mais prazer na vida. “Decidi fazer coisas que gosto. Comprei mais CDs e adquiri um videokê, já que adoro música”, conta. O administrador diminuiu a tensão e hoje se sente bem melhor. Guarda mais os nomes e telefones dos amigos e consegue se lembrar das obrigações sem precisar recorrer aos bilhetinhos.

Equilíbrio – Tentar amenizar o stress com técnicas de relaxamento também é uma boa alternativa. Foi o que fez o aposentado Robério Miranda, 72 anos, de São Paulo, para manter a memória afiada. Ele passou a praticar o lian gong (um dos tipos de ginástica chinesa). “Dizem que me lembro bem das coisas”, comenta Miranda, que é capaz de dizer as datas de aniversário de vários parentes. Algumas vezes, no entanto, é preciso recorrer a terapias com psicólogos para combater o stress e voltar a se recordar com mais facilidade. Esta foi a opção feita pela funcionária pública Maria Diva Grisanti, 45 anos, de São Paulo. Ela frequentou o divã para extravasar suas emoções quando, há três anos, precisou cuidar da mãe doente, hoje falecida. “A situação foi complicando e fiquei desesperada. Comecei a me esquecer dos compromissos”, recorda Maria Diva, que já se recuperou.

A depressão também é uma das doenças que prejudicam a memória. “O paciente fica tão triste que não consegue assimilar nada”, explica Cássio Bottino, psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Memória do Hospital das Clínicas de São Paulo. O estado depressivo também costuma provocar desinteresse pelos fatos, dificultando a assimilação de informações e prejudicando a evocação. Nesses casos os médicos normalmente receitam antidepressivos. No entanto, os remédios devem ser usados com cautela quando as falhas são muito constantes. Isso porque, em excesso, os medicamentos dificultam ainda mais a atenção
e a concentração.

Há duas enfermidades que comprometem seriamente a memória e exigem tratamento complexo. Uma delas é o mal de Alzheimer, doença degenerativa e hereditária caracterizada pela perda progressiva dos neurônios. O mal costuma acometer pacientes com mais de 60anos e tem ligação com a falta de uma substância no cérebro chamada acetilcolina. Com o tempo, a morte de neurônios atinge áreas importantes relacionadas à memória e uma das consequências é o doente não se lembrar de informações novas. Infelizmente, ainda não há cura para o mal. O sonho dos cientistas está depositado em testes realizados recentemente com uma vacina para prevenir o Alzheimer e evitar a progressão da doença. “Poderá ser uma solução para o problema. Está prevista para ser concluída em cinco anos”, acredita o neurologista Eliasz Engelhardt, do Ambulatório de Memória da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Contudo, há vários remédios que tentam controlá-lo. Um deles é a galantamina, do laboratório Janssen Cilag, com previsão de chegar ao Brasil em maio. A droga promete equilibrar os níveis de acetilcolina e também de outras substâncias relacionadas à doença. A família também tem papel fundamental para auxiliar o doente a memorizar as coisas mais facilmente. A Associação Brasileira de Alzheimer orienta os familiares nessa luta. “Fazemos palestras para informar como os parentes devem agir”, conta Vera Pedrosa Caovilla, presidente da entidade. Entre as dicas, está a de anotar na agenda do doente seus compromissos e colocar bilhetes em locais chaves da casa.

A outra doença que também merece atenção especial é o mal de Parkinson, problema degenerativo que atinge áreas cerebrais relacionadas ao controle motor, levando ao aparecimento de tremor e lentidão dos movimentos. Porém, há casos em que podem acontecer falhas de memória. Geralmente, isso ocorre bem depois de a doença já estar estabelecida. “Cerca de 20% dos doentes têm déficit de memória”, estima Francisco Cardoso, chefe do serviço de neurologia do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte. A paulistana Vera Lúcia de Souza Moreno, 51 anos, sofreu essa sequela e procurou ajuda na Associação Brasil Parkinson, em São Paulo. Hoje, ela pinta e faz aulas de canto, atividades que melhoram a memória porque exigem concentração e criatividade.

Planta – Também há tratamentos alternativos para aperfeiçoar o processo de registro das lembranças. Alguns especialistas recomendam
o uso de cápsulas da planta gingko biloba. Um estudo da Unifesp mostrou que a erva favorece a circulação sanguínea cerebral, o que contribui
para melhor oxigenação e bom funcionamento das células envolvidas no mecanismo da memória. “Os idosos tratados com a planta melhoraram
a atenção e a memória”, afirma Ruth Ferreira, autora do trabalho. Mas
é preciso atenção. A planta é contra-indicada para pessoas com problemas cardíacos e com predisposição à formação de coágulos
nos vasos sanguíneos.

Na verdade, o melhor tratamento para não deixar as recordações se perderem é a prevenção. A principal medida é manter o corpo em ordem para evitar que o cérebro acabe atingido por alguma doença. Ou seja, controlar a pressão arterial, por exemplo, é uma forma de afastar a chance de um acidente vascular cerebral (avc), conhecido como derrame, que, se ocorrer em uma região importante para a memória, trará problemas para o paciente. Ter uma dieta saudável, com pouco sal e gordura, também ajuda a manter em bom estado os vasos sanguíneos do cérebro. Dessa forma, não só os
avcs podem ser evitados como também os neurônios
serão melhor irrigados, favorecendo seu bom funcionamento. Outra dica é ter uma atividade intelectual constante. Ler com atenção é primordial. “A leitura ativa muitos tipos de memória, como a visual e a verbal”, explica Ivan Izquierdo, neuroquímico da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.

Se for bem treinada, a memória de um idoso pode ser tão boa quanto a de um jovem. “Estudos mostram que quando a pessoa exercita a memória, chega à velhice com a mente ativa”, reforça o neurologista Paulo Caramelli, da USP. A atriz Esther Góes, 31 anos de teatro, tem na memória uma ferramenta de trabalho e, por isso, não deixa de trabalhar para seu aperfeiçoamento. “É preciso treiná-la constantemente”, conta a atriz. Esther teve um lapso no palco apenas uma vez, pouco depois da morte do pai. Pediu desculpas ao público, voltou a se concentrar e iniciou a peça novamente. Foi aplaudida de pé.

Circulação – Outra atividade importante são os exercícios físicos. Um estudo da educadora física Hanna Karen Antunes, de São Paulo, quer comprovar o benefício da malhação regular para a melhora da capacidade de recordação. A explicação estaria no fato de que o exercício melhora a circulação do sangue, dando condições ao cérebro de funcionar de forma mais eficiente. A pesquisadora está analisando 50 velhinhos saudáveis entre 60 e 75 anos que fazem bicicleta ergométrica três vezes por semana. Todos estão sendo avaliados com testes de memória e atenção, entre outros. Até agora não há resultados conclusivos, mas já foram constatados dados animadores entre os voluntários. Um dos participantes revelou a Hanna que antes de integrar o grupo escolhia uma frase no alto da página de um livro e não se lembrava dela quando concluía a leitura da folha. Agora, recorda-se das seleções que faz. Outro participante que também está satisfeito é o militar da reserva Maury Rosa, 61 anos. Antes de entrar para o grupo, ele andava muito esquecido. “Não lembrava de datas e nomes. Hoje sinto que estou melhor e me lembro até de equações matemáticas”, conta. Os especialistas também aconselham: manter o bom humor e a disposição é um ótimo antídoto contra o esquecimento. “Quanto mais motivação, mais pique, melhor. Isso
ajuda a liberar a adrenalina, substância que contribui
para fixar a atenção”, diz Izquierdo.

Porém, é preciso saber que sofrer lapsos de vez em quando não significa que esteja ocorrendo um problema de memória. A questão deve ser levada em conta quando as falhas costumam ser frequentes. É preciso prestar atenção quando, por exemplo, alguém próximo a você perceber que sua memória está falhando com frequência. “Se isso acontecer, é hora de procurar o médico, pois geralmente quem tem o problema é o último a perceber”, disse a ISTOÉ o americano James McCaugh, diretor do Centro de Neurobiologia da Aprendizagem e Memória da Universidade de Califórnia/Irvine, considerado uma das maiores autoridades no assunto. Portanto, se você tem ouvido frequentemente que anda tendo “brancos” demais, vale a pena procurar ajuda.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias