Quando chegou a São Paulo, em 1956, o menino Luiz Inácio era apenas mais um Silva na multidão anônima das metrópoles. O retirante se virava como podia. Antes de ser o torneiro mecânico dos macacões surrados, perambulou de flanela e graxa lustrando os sapatos dos mais endinheirados. O primeiro emprego, um ano depois, foi numa tinturaria. Mal imaginava que, décadas depois, se tornaria uma referência nos hábitos brasileiros, do vestuário aos costumes. O estilo petista, que promete
influenciar a moda além da barba encanecida e da estrelinha na
lapela, conjuga simplicidade com bom gosto e requinte sem afetação.
A onda vermelha ignora ostentação, despreza marcas famosas e desconhece grifes de preços estratosféricos. O jeito petista de ser também não é sinônimo de desleixo ou pratos feitos no boteco mais próximo, como supõe a vã estereotipia da elite nacional. Os ícones
deste novo estilo prezam, sobretudo, a brasilidade, os hábitos
simples, a relação custo/benefício, a privacidade e os amigos.

Quem norteia o comportamento e a moda da turma petista é o próprio presidente Lula, seu braço direito e chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ministro do Trabalho e amigo, Jaques Wagner. O trio, no entanto, não dispensa os conselhos das mulheres, Marisa, Maria Rita e Fátima Mendonça. O paladar refinado e o gosto de Lula por se vestir bem vêm de longe. Quando foi eleito presidente do Sindicado dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, não abriu mão do terno, colete e gravata. Quando se preparava para enfrentar Fernando Collor no debate da tevê, ouviu pacientemente uma infindável discussão de assessores sobre a roupa mais apropriada. A maioria censurava o terno. O dilema foi encerrado com a intervenção do próprio Lula: “Vocês podem ser assim. Os operários e as pessoas simples, quando vão a uma festa, gostam de se vestir bem.” Durante toda a campanha e na posse, Lula exibiu ternos sóbrios e bem cortados do estilista paulista Ricardo Almeida. De quebra, conseguiu convencer os principais colaboradores a adotar a indumentária. O assessor Gilberto Carvalho resistiu o quanto pôde, mas acabou herdando o guarda-roupa do amigo presidente. “Tive que mandar apertar todos
os ternos. Me sentia um pastor evangélico”, brincou Carvalho.

Os petistas também não se constrangem em fazer compras em lojas de departamento. “Eu não tenho roupa de grife. Tem pouca gente afetada no governo que dependa de marcas para se valorizar”, conta Wagner, uma espécie de referência de moda no partido, apesar de extravagâncias, como usar ternos de cores berrantes. O xodó do presidente é a camisaria baiana Ernesto de Tomaso, famosa em Salvador por confeccionar as camisas do senador Antônio Carlos Magalhães e do empreiteiro Emílio Odebrecht. O gosto pela dupla de costureiras Maria e Auxiliadora, sócias da confecção, veio há seis anos através de Jaques Wagner e da mulher, Fátima. Durante a campanha de 2002, a produção de moda do programa de tevê insistiu para Lula usar várias camisas. Ele recusou todas: “Não adianta, só quero as camisas da Bahia.” Para a posse, encomendou duas, uma creme e outra branca, apesar de sua predileção pela serenidade do azul-claro.

Brasilidade – Peladeiro profissional, Lula gosta de reunir os amigos para bater uma bola nos finais de semana. Na Granja do Torto já organizou dois jogos acompanhados de churrasco e regados pela outra paixão nacional: a cerveja. Mas o trio petista (Lula, Dirceu e Wagner) aprecia vinhos, especialmente os tintos mais suaves. Bebem o italiano Barollo, os nacionais Miolo e Valduga. Os petistas gostam também dos destilados. “Tenho até vergonha de dizer, mas meu uísque preferido é o Jack Daniels”, confessa o ex-guerrilheiro José Dirceu. Mas, se depender dos petistas, a cerveja e o chope vão reinar absolutos, alternando a majestade com ligeiros goles da mais legítima bebida nacional: a cachaça. José Dirceu, mineiro, é um degustador e conhecedor da boa pinga. A sua preferida é a cotadíssima Havana, de Salinas (MG). A garrafa da melhor cachaça brasileira não sai por menos de R$ 400 nas lojas especializadas.

A preferência por ambientes mais populares e descontraídos vai alterar
o roteiro gastronômico do poder em Brasília. O badalado Piantella, reduto dos herdeiros da turma do Poire de Ulysses Guimarães, vai dividir os holofotes com restaurantes e bares mais despojados. Entram no circuito dos points preferidos pelas estrelas petistas o Feitiço Mineiro e o Bar Brasília, uma choperia que procura resgatar o ambiente da boemia do
Rio antigo. Os dois são do empresário petista Jorge Ferreira, amigo de Lula e Dirceu. “Eles gostam de coisas simples. O Lula adora a costela
com tutu e couve. O Zé normalmente pede pratos mais leves, como bacalhau em postas com batatas”, conta Jorjão. Na verdade, o chefe
da Casa Civil tem um fraco por frituras, mas evita a tentação de olho
na saúde, especialmente após a operação de vesícula. Um outro inibidor
é a vaidade. Dirceu frequenta academia três vezes por semana para manter a forma. Do exílio em Cuba assimilou o hábito de degustar
mojitos (bebida à base de rum e hortelã). Só não aderiu ao charuto.
“Não gosto de fumar”, diz ele. É o oposto de Lula, um voraz consumidor das cigarrilhas holandesas Cafè Creme. Mas raramente fuma em público. “Não gosto de dar mau exemplo”, costuma dizer. Ao contrário do
que muita gente pensa, Lula não é um aficionado por charutos. Fuma eventualmente. Recebe muitas caixas de robustos Cohiba e Monte
Cristo, inclusive do companheiro Fidel Castro, mas a maior parte
do mimo acaba ficando com o amigo Frei Betto.

A brasilidade da turma petista não exclui, por exemplo, um jogo
de cartas introduzido no País pelos italianos. Dirceu e Lula exercitam
o raciocínio estratégico em animadas e barulhentas partidas de
truco. É também quando Lula conta suas histórias de pescador.
Numa delas, assegura ter fisgado, no Mato Grosso do Sul, um jaú
de 35 quilos. O chefe da Casa Civil resume o estilo do novo poder: “Temos bom gosto, mas sem ostentação.” “As pessoas vão ter
mais liberdade de ser o que são”, arremata Jaques Wagner.

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