Líder de seita religiosa, a cientista Brigitte Boisselier quer ser a primeira a gerar um clone humano e oferece a filha como cobaia

Aos 45 anos, a bioquímica francesa Brigitte Boisselier trabalha contra o relógio para gerar o primeiro clone de um ser humano. Diretora científica da clínica de reprodução Clonaid, ela tem como rival nessa empreitada o ginecologista italiano Severino Antinori, cujo feito mais polêmico foi induzir a gravidez numa sexagenária. Além do interesse científico, eles têm o mesmo adversário, o papa João Paulo II, que no domingo 3 fez novo apelo contra a realização de pesquisas com células humanas. A Igreja Católica quer que os embriões sejam reconhecidos legalmente como seres humanos desde o momento da fecundação, o que impediria que suas células fossem manipuladas em laboratório. Brigitte e Antinori defendem a clonagem para gerar herdeiros a quem não pode ter filhos pelo método natural, como os homossexuais ou os casais inférteis. A técnica de fabricar cópias humanas seria um método alternativo à reprodução, assim como a fertilização in vitro, adotada por milhares de casais ao redor do mundo. A diferença é que Brigitte tem motivações do além. Integrante do movimento religioso Raël, seita fundada em 1997 pelo ex-piloto e jornalista de automobilismo, o francês Claude Vorillon, ela prega que a humanidade é fruto de uma experiência de cientistas extraterrestres. Os 55 mil raelianos espalhados por 84 países celebram os prazeres da existência e rezam que criar vida em laboratório seria um passo para desvendar os mistérios da humanidade e, portanto, conquistar a chave da eternidade. Brigitte é o corpo e a alma dessa experiência místico-científica. Sua clínica cobra meio milhão de dólares para produzir um clone e conduz suas experiências em local secreto nos Estados Unidos. Para demonstrar a seriedade de seu intento, ela selecionou a própria filha como barriga de aluguel para abrigar o bebê clone. Leia a seguir trechos de sua entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – O papa João Paulo II declarou que todo feto tem alma e que criar clones humanos seria uma tentativa de exercer papel divino. O que a sra. pensa disso?
Brigitte

Não acredito que exista um Deus criador. Minha filosofia sustenta que fomos criados por cientistas de outro planeta, mais avançado do que a Terra. Fazemos agora o que esses cientistas fizeram no passado. Eles nos criaram à sua imagem e semelhança. Ao contrário do que diz o papa, que prazer é pecado e a vida eterna será alcançada num paraíso que ninguém viu, nós acreditamos que fomos feitos para sentir prazer hoje e que o paraíso é aqui e agora. A definição de alma vem do latim animare, que significa aquilo que nos anima e dá vida. Nosso código genético é a resposta, ele nos anima e nos faz existir.

ISTOÉ – Como é possível alcançar a eternidade a partir do DNA de uma pessoa?
Brigitte

Na clonagem, produzimos um indivíduo idêntico ao que emprestou seu material genético para cópia. Em 30 anos, seremos capazes de lapidar o cérebro de um indivíduo. Os pensamentos, a memória e a personalidade são resultado de conexões que ocorrem no cérebro e por isso seria factível implantar cérebros em novos corpos. Esse é o tipo de eternidade que se busca.

ISTOÉ – O primeiro bebê de proveta foi muito criticado. Duas décadas depois, a fertilização artificial está disseminada. O mesmo pode acontecer com a clonagem?
Brigitte

O público vai reagir de acordo com o que aprendeu. Só se falou dos aspectos negativos da clonagem. Existem novelas e filmes mostrando exércitos de clones e de cópias imperfeitas. Seria bom se as pessoas soubessem que estamos fazendo um bebê saudável, que se parece muito com a pessoa doadora do DNA, mas que será uma espécie de irmão gêmeo. O papa diz que todo mundo tem alma, mas, alguns séculos atrás, os cristãos matavam os gêmeos porque pensavam que eles eram anormais. Fazem o mesmo agora ao tentar impedir nossa pesquisa. Daqui a 20 anos, o primeiro bebê clonado terá uma vida normal. Exatamente como a primeira criança de proveta. Pode-se ter um bebê a partir da relação sexual, da fertilização artificial ou da clonagem. Deve-se garantir a qualquer um a liberdade de escolher o melhor método de replicar seus genes.

ISTOÉ – O médico italiano Severino Antinori também busca o pioneirismo da clonagem. Ele se compara a Galileu, que foi excomungado pela Igreja Católica por afirmar que a Terra girava ao redor do Sol. Qual a sua opinião?
Brigitte

É uma pena que a humanidade tente impedir a clonagem. Foi assim com todas as tecnologias nascidas no século retrasado. A eletricidade, por exemplo. Até determinado momento, a luz natural bastava. Quando não havia mais luz, era a hora de ir para a cama. Hoje parece estranho analisar o tipo de atividade e de sociedade surgidas com o advento da luz elétrica. O ser humano estava tão acostumado à forma tradicional de viver que não poderia imaginar o surgimento de algo melhor.

ISTOÉ – Sua filha é candidata à barriga de aluguel para a gestação de um clone humano. É uma forma de provar à comunidade científica que o experimento é seguro?
Brigitte

Não tenho que convencer a comunidade científica porque ela sabe que a técnica da clonagem é fisicamente correta. Os cientistas não dizem isso em público para não comprometer sua reputação. As taxas de sucesso são semelhantes às da reprodução artificial. Um casal saudável e jovem pode esperar de um a dois anos para obter uma gravidez pela relação sexual. O porcentual de sucesso está na ordem de 10%. Entre os animais, conseguimos aumentar o número de filhotes perfeitamente normais. É um indicativo de que não haverá problemas com humanos. Até porque sabemos mais sobre reprodução humana do que sobre a animal.

ISTOÉ – A clonagem é feita a partir de células adultas do corpo. As células do clone não são zero quilômetro, pois têm a mesma idade de seu doador. A notícia de que a ovelha Dolly tem inflamação nas articulações seria uma prova de que o clone tem vida curta?
Brigitte

A artrite da Dolly foi mencionada por seu criador, o inglês Ian Wilmut, para a imprensa mundial, mas não foi publicada em nenhuma revista científica. Wilmut não disse se a ovelha que doou seu DNA para produzir Dolly tinha a mesma doença. Até onde sei, essa ovelha doadora morreu jovem. Significa que Dolly parece ser um avanço em vez de
um problema.

ISTOÉ – Uma empresa americana gerou clones saudáveis de vacas e anunciou com alarde a produção de embriões humanos, o que acelerou a discussão de leis para proibir a clonagem. Qual é o estágio de seu experimento?
Brigitte

O que a Advanced Cell Technology fez não é nada comparado ao nosso projeto. Estamos produzindo embriões toda semana e tudo será patenteado. Mas não darei nenhuma programação de datas para o nascimento do nosso clone.

ISTOÉ – É correto patentear o processo de geração da vida?
Brigitte

Para fazer esse tipo de pesquisa, precisamos de dinheiro, equipamentos e cientistas bem pagos. Saímos à cata de fundos e patrocinadores e esperamos ter logo um retorno do investimento. Assim, poderemos baixar o custo da clonagem, hoje em U$ 500 mil, e oferecê-la a mais gente. Temos investidores privados e eu mesma coloquei todo o meu dinheiro nesse projeto.

ISTOÉ – Em seu depoimento no Congresso americano, a sra. usou como argumento a carta de um pai que perdeu o filho de dez meses e cedeu seu DNA para gerar um clone. Sua proposta é trazer de volta as pessoas que morreram?
Brigitte

Ficaria feliz de poder ajudar quem quisesse fazer isso, mas precisamos de células vivas e saudáveis para fazer um clone. Não dá para reproduzir o DNA de alguém enterrado há dez anos. Recebo muitos telefonemas de gente com essa esperança. Talvez um dia possamos ter essa capacidade, mas hoje não é clinicamente possível. Muitos pais que perderam seus filhos recentemente me telefonam. Se eles quiserem, podemos produzir um irmão gêmeo dessa criança doente ou morta.

ISTOÉ – Quem são os mais interessados em produzir um clone?
Brigitte

Casais homossexuais, inférteis e até solteiros que querem ter filhos mas não têm parceiro. Muitas mulheres da minha idade também percebem que seu corpo está mudando e será a última chance de ter um bebê. Essas pessoas podem comprar sêmen num banco de esperma, mas elas se perguntam por que não recorrer à clonagem, assim não haverá genes desconhecidos dentro de casa.

ISTOÉ – Como evitar que a clonagem seja usada para fabricar exércitos de clones humanos, como descreve Aldous Huxley em seu livro Admirável mundo novo?
Brigitte

Com tudo se pode fazer o bem e o mal. Suas mãos podem ser usadas para matar, mas não se faz isso porque a educação diz que não é certo. Numa sociedade, tudo funciona com educação e leis. Nada pode ser apenas ruim. Para tudo há o lado bom. Devemos educar a população para que ela saiba o que esperar da clonagem e regulamentar a prática para que não haja abusos. Se seu vizinho é bonito e você quer ter um filho como ele, deve pedir autorização a ele para usar seus genes. Quase cinco anos após o nascimento da ovelha Dolly, ainda estamos no estágio de discutir a proibição dessa técnica. Proibir é uma forma primitiva de regulamentar uma situação nova. Torço para que os governos parem de perder tempo com isso e invistam na regulamentação.

ISTOÉ – Com o avanço dessa técnica seria possível roubar um fio de cabelo do ator Brad Pitt e usar seu código genético para produzir um clone?
Brigitte

Seria possível. Assim como seria possível usar a célula de um animal no lugar da de uma celebridade. É fácil controlar isso: cabe aos cientistas tomar o cuidado de não fazer cópias de outras pessoas sem que elas autorizem expressamente. Não há razão para temor. Também não adianta recolher fios no chão do cabeleireiro. Para clonar alguém é necessário coletar células vivas.

ISTOÉ – Como é possível conciliar ciência e religião?
Brigitte

A ciência está por trás de tudo o que existe na Terra e pode transformar o planeta no paraíso. Temos todo o conhecimento e as informações necessárias para que isso aconteça. Pessoas e governos investem bilhões para fabricar armas que matam mais crianças do que todas as várias técnicas de reprodução artificial juntas.

ISTOÉ – Qual é a explicação científica de sua seita para o mito da criação?
Brigitte

Concordamos em um aspecto com a abordagem cristã: as espécies mais simples apareceram antes das mais complexas. Em vez de pensar que existe um Deus por trás de cada nova espécie que surge no planeta, acreditamos que os cientistas criam e projetam novos códigos genéticos. Eles se divertem produzindo diferentes tipos de flores, com cores e formas variadas. É como uma criação artística. Em vez de dizer que Deus criou isso, dizemos que seres humanos com tecnologia avançada fizeram conosco isso e aquilo. Estamos prontos para agir da mesma forma, criando clones em laboratório. A vida e a criação são um ciclo. Nossos criadores vieram de outro mundo e viram que a luz era boa, assim como está escrito na Bíblia.

ISTOÉ – E como se deu a gênese?
Brigitte

Os cientistas primeiro implantaram diversos laboratórios para alterar nossa atmosfera. Depois, eles introduziram espécies animais e vegetais. Só então eles nos criaram à sua imagem e semelhança. É parecido com o projeto idealizado pela Nasa (agência espacial americana) para implantar vida em Marte. Primeiro os cientistas montam um laboratório e depois, devagar, vão soltando bactérias para alterar a atmosfera de modo que novas espécies possam ser introduzidas naquele planeta.

ISTOÉ – Sua religião crê então nas escrituras sagradas, mas não em Cristo ou Moisés?
Brigitte

Na Bíblia estão as informações deixadas por nossos criadores. Eles nos enviaram alguns profetas ao longo da história, como Buda, Moisés, Maomé e Jesus Cristo. Todos eram mensageiros dos criadores nos ajudando a ir na direção correta, em busca de menos violência e mais amor. Acredito que Raël (o francês fundador da seita que leva seu nome) seja mais um desses profetas.

ISTOÉ – Como a sra. lida com as críticas que a apontam como uma herege por suas pretensões de replicar seres humanos?
Brigitte

O mais importante na minha vida é olhar no espelho e sentir orgulho e não vergonha. Muita gente disse que eu era louca, mas me respeitam porque sabem do meu objetivo. Recebo muitos telefonemas de cientistas dizendo: “Por favor, faça tudo isso direito porque queremos repetir a experiência.”

ISTOÉ – O que levou a sra. a assumir um projeto dessa envergadura?
Brigitte

Fui movida pela indignação. Não aceito a proibição como forma de regular a ciência. Desde então, tenho conversado com pais que querem gerar seus filhos através dessa nova tecnologia. Não considero a clonagem minha missão na vida. Faço isso porque essa experiência precisa ser feita e precisa ser executada de forma correta.

ISTOÉ – Se houver consenso mundial para banir a clonagem reprodutiva, a senhora cogita a possibilidade de tocar seu experimento a bordo de um navio, em águas internacionais?
Brigitte

Por enquanto não nos obrigaram a mudar de país. Não vamos parar nossa pesquisa, mesmo que seja preciso instalar o laboratório em águas internacionais, sem interferência de nenhuma legislação. Recebemos convite de outro país para instalar um laboratório fora dos Estados Unidos. Não quero dar nenhuma indicação do país que nos convidou, mas isso será anunciado em breve. Muita gente olha essa pesquisa como uma oportunidade real e bem-vinda.