Os criadores de frangos de Mendoza, na Argentina, resolveram criticar o caos econômico do país a seu próprio modo. Sem ter como vender a produção, resolveram soltar dezenas de frangos em frente à sede do governo da província, na segunda-feira 4. O protesto durou pouco. Imediatamente, vários desempregados saíram à caça das aves. “É um presente dos céus”, chegou a dizer um deles. A manifestação acabou resolvendo o problema momentâneo de um punhado de esfomeados, mas um outro protesto, numa pequena localidade chamada El Jagüel, terminou em morte. Um comerciante, assustado com o assédio de um grupo de 200 desempregados à sua loja, matou um piqueteiro com um tiro de pistola na madrugada da quarta-feira 6.

Enquanto protestos como estes se acumulam, o país segue parado. Basta recolher alguns indicadores da chamada “economia real” para constatar a dimensão do estrago promovido por quatro anos de recessão. O desemprego bateu mais um recorde histórico, com 22% da população economicamente atimo, só nas portas dos consulados. Argentinos em busca de visto para sair do país estão lotando as representações diplomáticas de vários países – e não só mais da Espanha. Até o Brasil registra um número anormal de consultas.

O dia-a-dia do argentino é patético. Para pagar um simples cafezinho, o cidadão pode utilizar, hoje, dólares, pesos, cartão de crédito, patacones, bônus negociáveis ou lecops. Dólares e pesos são uma raridade, já que estão presos nos bancos. Cartões são praticamente uma novidade para o povo argentino, historicamente acostumado a usar dinheiro vivo. E as três últimas opções são papéis emitidos pelo governo que, certamente, perderão o valor em pouco tempo. Para complicar, janeiro marcou o retorno de um outro fantasma: a inflação. O mês fechou com uma alta média nos preços de 2,3%, a maior em oito anos. Em tempos recessivos, um salto desse porte é considerado alarmante.

Se nas ruas o clima é de depressão, nos gabinetes oficiais é o pânico que domina. O terror começou quando a Justiça julgou inconstitucional o “curralzinho”, criado para manter presos os depósitos dos argentinos no sistema financeiro, no fim da semana retrasada. Temendo um esfarelamento imediato das instituições bancárias, o governo de Eduardo Duhalde deu um golpe no Judiciário. Proibiu, com um decreto à moda ditatorial, ações contra o bloqueio por 180 dias. Enquanto isso, seus deputados batalham para arrancar da Suprema Corte nove juízes indicados durante a era Menem. Sem credibilidade perante a população, os magistrados estão sendo acusados de terem feito uma manobra de sobrevivência ao julgar ilegal o “curralzinho”.

O golpe no Judiciário, também inconstitucional, foi um dos principais pontos do pacote econômico lançado na noite do domingo 3. Os argentinos já perderam a conta de quantos planos “milagrosos” foram tentados nos últimos três anos. Mesmo assim, a principal âncora do plano, segundo economistas, será a confiança da população nas medidas. Apesar de lançado, o pacote ainda não foi testado na vida real. Para proteger os bancos, o governo estendeu, durante toda a semana, o feriado bancário. “Não existe liquidez no sistema financeiro para que possamos devolver, de uma só vez, todos os depósitos”, confirmou o próprio ministro da Economia, Jorge Remes Lenicov. O FMI recebeu com frieza o pacote, o que acabou gerando protestos do ministro, que depende das verbas do fundo para acertar as contas externas.

Na marra – A segunda-feira 11 marcará o grande teste do governo Duhalde. Quando os bancos finalmente abrirem, restará ao povo argentino definir o futuro de curto prazo do país. No pacote, o governo determinou a pesificação total da economia, restringiu a compra de dólares e transformou em pesos os valores das dívidas tomadas em dólar. A idéia é segurar, na marra, a cotação da moeda americana, que pela primeira vez em dez anos será definida livremente – ou quase, dadas as restrições de circulação das verdinhas. O grande temor é que a população corra para o mercado paralelo, um movimento que tem potencial para derreter o valor do peso e afundar a estratégia do governo.

Para tentar reativar a economia, Lenicov programou um leve alívio do “curralzinho”. O dinheiro continua preso, mas quem quiser poderá receber títulos a serem pagos em um futuro incerto. Os depósitos em dólar serão convertidos à taxa de 1,40 peso (durante dez anos, um peso valeu exatamente US$ 1). A expectativa é que esses papéis sirvam de moeda corrente em transações comuns, como compra de automóveis e de imóveis, o que renovaria o fôlego do comércio e da indústria. A medida é vista com ceticismo por economistas locais. De novo, o futuro do plano fica atrelado à capacidade de confiança do argentino. Se as panelas voltarem a soar com força, pode ser o fim de mais uma aventura na luta contra a crise.