Conhecido por suas incursões
no terror orgânico, em que deformidades, escatologia e estranhamento são moeda corrente – vide eXistenZ, A mosca e Crash – estranhos prazeres –, o cineasta canadense David Cronenberg
ateve-se agora apenas ao estranhamento na sua adaptação para as telas do romance do inglês Patrick McGrath, lançado em 1990
e roteirizado pelo próprio escritor. Também intitulado Spider (Spider, França/Canadá/Inglaterra, 2002), cartaz nacional, o filme segue a torturante trajetória de Dennis “Spider” Cleg (Ralph Fiennes), um esquizofrênico à procura de respostas para sua loucura. Ao contrário de Manicômio, livro de 1996 do mesmo autor, no qual se é induzido a integrar-se à história e que deve chegar ao cinema no próximo ano, em Spider o público torna-se espectador privile-giado
do tormento de Cleg. Vê seu mundo exatamente como ele próprio o
vê, cinzento, monocórdico, esquizóide. Passada a sensação inicial de desconforto, o espectador fica sabendo que a vida do protagonista
é marcada por uma teia. Uma teia de verdade, que ele aos poucos
vai construindo com pedaços de barbante, daí o apelido “Aranha”.

Ao longo da história, Cleg procura entender seu ato através de um quebra-cabeça em que algumas peças não se encaixam. Enquanto balbucia palavras desconexas e faz exaustivas e ilegíveis anotações num caderninho, ele se arrasta mortificado pelas visões e pelas sensações reproduzidas realisticamente por Cronenberg, que aqui reinventa o estilo bizarro. Além de Fiennes, que mais uma vez dá peso a um personagem, o diretor pôde contar com o estilo dúbio e enviesado do irlandês Gabriel Byrne, no papel de pai, e, principalmente, com a sensualidade madura e agressiva da inglesa Miranda Richardson como a mãe, entre vários outros papéis. Grande parte da estrutura da fita é apoiada na versatilidade da atriz, que funciona como contraponto diante do comportamento catatônico de Cleg, interpretado quando criança por Bradley Hall.

Da abertura mostrando a chegada de um trem à estação – referência a um dos filmes exibidos durante a primeira sessão de cinema realizada pelos Irmãos Lumière, em 1895 – aos ambientes opressivos da casa, da pensão em que mora ou do bar frequentado pelo seu pai, Cleg parece sempre deslocado, oprimido. Os habitantes do universo imaginado pelo escritor se prestam a tal. McGrath foi cria-do num hospício dirigido por seu pai, o que certamente o municiou de matéria-prima suficiente para toda uma obra. E já que David Cronenberg tornou-se conhecido por filmes sobre a insanidade, era de se esperar que um dia os caminhos dos dois se encontrassem de um jeito tão extravagante.