Todo mundo já está calejado de ouvir que brasileiro não lê. Apesar das manifestações contrárias, a mais coerente explicação para isso ainda são os altos preços praticados pelas editoras. De outro modo, como explicar a repentina proliferação de sebos, estes empoeirados estabelecimentos onde se compram e vendem livros de segunda mão? Nos últimos cinco anos, o número de lojas saltou de 44 para 73 em São Paulo e de 35 para 45 no Rio de Janeiro. Foi o bastante para inspirar o bibliófilo e professor de literatura Antonio Carlos Secchin a publicar o Guia dos sebos (Nova Fronteira, R$ 12), com endereços, telefones e informações úteis sobre 160 casas do ramo. Além de mapear todos os sebos das capitais paulista e fluminense, Secchin foi buscar dados sobre os principais estabelecimentos de Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Luís. “Apesar da tão propalada crise da leitura, o mercado de livro usado avança. O guia foi uma maneira de facilitar a busca por obras mais baratas”, justifica o autor.

Além de popularizar a aquisição de best-sellers pela metade do preço de catálogo, os sebos contribuem para imortalizar textos esgotados e nunca reeditados. “Existe um público de leitores que não pode pagar por lançamentos e outro, bem diferente, formado por intelectuais em busca de raridades”, resume o paulista Messias Coelho, 61 anos, dono de quatro casas que levam seu nome. A primeira nasceu em 1970, quando Messias, representante de uma editora de livros jurídicos, se desdobrava para atender às encomendas pessoais dos clientes advogados. Hoje, Messias se orgulha de receber, no mínimo, 300 clientes por dia em suas lojas. Entre eles o aposentado Sinésio de Siqueira Filho, 60 anos, apaixonado por livros de arte. “Frequento sebos desde os dez. Venho ao Messias quase todas as tardes. Comprei aqui boa parte dos sete mil livros que tenho”, conta.

Apesar de o cenário empoeirado e sombrio da maioria dos sebos atrair leitores mais velhos com mais naturalidade do que jovens, são os estudantes os responsáveis por metade da clientela. Aliás, foram eles que criaram a categoria. “Antes de existir mochilas, os colegiais carregavam os livros debaixo do braço, segurando-os com a palma da mão. O suor dos dedos escurecia as capas, que ficavam com aspecto ensebado. E também foram eles que, precisando de dinheiro, começaram a vender suas obras para os colegas mais novos”, conta o pernambucano Eurico Brandão, dono de três casas do ramo, em Recife, Salvador e São Paulo. Foi ele o primeiro proprietário a estampar na loja a palavra sebo, ainda nos anos 40, quando os concorrentes rejeitavam o termo e preferiam batizar suas casas de antiquário ou livraria.

Mestres – A Livraria São José é um exemplo. Fundado em 1939 na rua São José e transferido na década de 70 para a rua do Carmo, no centro do Rio de Janeiro, o sebo é um dos mais antigos do País, mas, como a maioria deles, continua usando o nome livraria. Entre suas prateleiras já perambularam Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, autores de obras procuradas pelos clientes atuais. “É o melhor lugar para encontrar livros raros dos grandes mestres do Direito”, afirma a juíza Denise Frossard, 50 anos. “O último que comprei foi Coronelismo, enxada e voto, de Vítor Nunes Leal, editado há mais de meio século”, conta. Boa parte da clientela da São José também é formada por estudantes. “Em vez de comprar o que precisam, muitos transformam o sebo em biblioteca e lêem as obras aqui mesmo”, denuncia o gerente José Germano da Silva, 63 anos. “Às vezes procuro confundi-los, mudando os livros de lugar, mas eles sempre os encontram”, admite. Funcionário da loja há 50 anos, Germano é um baú de histórias. Sua favorita aconteceu em 1992, quando o jurista Paulo Brossard garimpava material para escrever um libelo contra o presidente Fernando Collor.

– Tens algum livro sobre impeachment?, perguntou Brossard.

– Só este aqui. Creio que seja o único, respondeu o gerente.

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– Isso aí é uma porcaria. Eu quero um livro. Vou deixar meu cartão. Se o senhor conseguir algo sobre impeachment, pode me ligar.

O gerente nunca encontrou outro livro sobre o assunto além da tal porcaria que, diverte-se Germano, havia sido escrita pelo próprio Brossard.


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