Nova York está prestes a bater recordes, digamos, diminutivos. As estatísticas dão conta de que a criminalidade local está decrescendo ainda mais do que se viu nos últimos dez anos. Na segunda-feira 4, o FBI divulgou relatório atestando que o nível de crimes na cidade está abaixo dos patamares alcançados nos últimos 40 anos. Homicídios, por exemplo, caíram 15% em relação ao período anterior e, se seguirem esta tendência, devem contabilizar menos de 400 mortes até o fim de 2002. Estes bons resultados costumam ser creditados ao ex-prefeito Rudy Giuliani e sua conhecida política de “tolerância zero”. Mas este não é um caminho fácil de se seguir. “A política policial aplicada em Nova York obedece a características muito particulares dos EUA e da cidade”, diz o professor David Bayley, autor de vários livros sobre técnicas policiais. “No Brasil, por exemplo, como seria possível à polícia coibir a mendicância ou prender os flanelinhas, dois dos chamarizes mais visíveis da política de Giuliani?”, indaga. “Qualidade de vida no Brasil não é assunto apenas de polícia”, completa.

Bayley sabe o que diz. Professor de Justiça Criminal da State University at Albany, em NY, passou os últimos 30 dos seus 69 anos percorrendo o mundo em busca de respostas para o combate à criminalidade. E o Brasil não lhe é estranho: “As circunstâncias brasileiras são muito diferentes das vividas nos EUA. A começar pelas desigualdades sócio-econômicas e pela maneira como se lida com a criminalidade. Sem contar que o calibre intelectual da polícia americana evoluiu muito nos últimos 30 anos. Há outros aspectos. Os brasileiros têm um código napoleônico, enquanto nos EUA apenas o Estado da Louisiana segue tal inspiração”, diz Bayley.

Esse código napoleônico a que Bayley se refere moldou a maior parte das polícias no mundo que foram baseadas na organização militarizada. Na França, durante a Idade Média, a segurança era feita pelos chamados marechais e assim surgiu a força “marechaussée”. Com a Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, foi criada a força pública, e a “marechaussée “ transformou-se na “gendarmerei” ou “gens d’Armes”, ou seja, os homens literalmente armados. A polícia armada espalhou-se pela Europa, incluindo Portugal, que trouxe para o Brasil esse modelo com a polícia da corte.

Os ingleses, que têm rixas históricas com os franceses, não poderiam ser diferentes quando montaram sua polícia. Por isso rejeitaram, até a década de 80, a idéia de policiais armados. O sociólogo Jean-Claude Monet descreve em seu livro Polícia e sociedades na Europa (Edusp) a formação da primeira força policial da Inglaterra: “De sobrecasaca, cartola e um par de algemas, numa terça-feira, 29 de setembro de 1829, os três mil constables (milicianos) da Metropolitan Police assumem suas funções em Londres.” Na época, a orientação já era de que o policial deveria tratar de maneira cortês os cidadãos. Mesmo com o uso de alta tecnologia, como câmaras secretas espalhadas pelas ruas, essa distinção perdurou nas instituições britânicas. Segundo a socióloga Angelina Peralva, as causas da violência nos países europeus são as mesmas que no Brasil: “Desemprego, pobreza, tráfico de drogas e conflitos sociais, mas a diferença está no tratamento dispensado pela polícia a
essas questões.”

Entre as soluções que deram certo nos EUA e na União Européia está o acesso rápido e eficiente da polícia quando chamada, seja no caso de violência doméstica, conflitos raciais ou um assalto a banco. Há também políticas pontuais. Depois de as autoridades britânicas constatarem que, entre abril e dezembro do ano passado, 37% dos crimes foram cometidos por indivíduos entre 14 e 17 anos, decidiram dirigir uma campanha aos jovens. A campanha de denúncia “Dê o nome deles e não o seu” promete ao denunciante o total anonimato. E assim funcionou no caso de uma garota de 14 anos que testemunhou o assassinato, em 27 de novembro, de Damilola Taylor, dez anos.

O fluxo de informações provido pelas testemunhas funciona bem com a polícia comunitária que existe nos países europeus e nos EUA. No Reino Unido, reuniões trimestrais são realizadas com a comunidade. Em grande parte da Europa, como Alemanha e Espanha, a polícia é descentralizada, mas em outros, como França, é hipercentralizada. Em vários países, há uma divisão entre as funções de segurança pública e as de manutenção da ordem. No Norte da Europa, a polícia montada é mais aceita porque a população tem afeição pelos cavalos. Já na França, essa modalidade foi abandonada porque os manifestantes atacavam os animais. Também varia muito a maneira como ocorrem as detenções. Na Bélgica, uma pessoa não pode ficar detida num posto policial por mais de 24 horas.
Já na Espanha, o detido pode ficar até 72 horas esperando a
decisão do juiz.

Com os atentados de 11 de setembro nos EUA, os países europeus passaram a reforçar o intercâmbio de informações. Entre os fatores que mais preocupam os europeus está a imigração ilegal. Mas, assim como nos EUA, essa política começa a preocupar organizações de direitos humanos, que temem ameaças às liberdades civis. O Sistema de Informações de Schengen, sediado em Estrasburgo (França), já obtém cerca de 8,8 milhões de informações que vão de um simples criminoso até uma das máfias internacionais. Essas informações foram recolhidas em quase 45 mil postos policiais espalhados pela Europa. É o verdadeiro Big Brother assombrando o Primeiro Mundo.