Um ouvinte mais afoito dos cursos da psicóloga americana Diane Tillman, 54 anos, pode pensar que uma pessoa tão serena não conhece nada de violência. Engano. É exatamente com o seu jeito suave que ela convence pais e educadores de todo o mundo da eficiência do Programa Vivendo Valores na Educação (Vive) em alterar comportamentos inadequados e agressivos. Apoiado pela Unesco, pelo Unicef e por organizações não-governamentais, o Vive é um programa com metodologia própria que incita jovens e adultos a adotar em suas vidas 12 valores universais – paz, respeito, amor, cooperação, liberdade, felicidade, honestidade, humildade, responsabilidade, tolerância, simplicidade e união. Mestre em aconselhamento pela Universidade da Califórnia, ela está no Vive desde a sua criação em 1996. Já coordenou cursos de capacitação em 23 países. No Brasil, o programa é viabilizado pela ONG Brahma Kumaris e está presente em nove Estados. Mas o alvo predileto de Diane são meninos e meninas em situação de risco. Atualmente, tem como menina dos olhos as atividades especiais para crianças de rua, que já aplicou no Vietnã, na Indonésia e na África do Sul. Foi para mostrar a educadores brasileiros essas atividades que, no final de setembro, ela esteve em Minas Gerais e São Paulo. Na capital paulista, onde lançou três livros da coleção Vivendo Valores na Educação, ela falou a ISTOÉ:

ISTOÉ – Como nasceu o Vive?
Diane Tillman –
Em 1996, um grupo de educadores foi convidado
para se reunir na sede do Unicef, em Nova York, para discutir
o tema. A motivação foi um capítulo que eu tinha escrito num
livro chamado Vivendo valores.

ISTOÉ – O que a despertou para a questão de valores na infância?
Diane –
Fui solicitada a escrever as atividades deste programa. Gosto
de trabalhar com crianças menos afortunadas. Tenho imenso prazer em vê-las desabrochar. Nas escolas, em geral, não se fala muito em amor
e respeito. Quando era psicóloga educacional, fazia aconselhamento de pais e trabalhava com crianças que tinham problemas de comportamento. Descobri que o jeito de falar as influenciava a aceitar os valores. Pequenas demonstrações de respeito mudavam a vida de uma criança.

ISTOÉ – O que é a cultura da paz?
Diane –
O Unicef aceitou o programa Vivendo Valores como um
dos atores da cultura da paz. A experiência que tivemos em campos
de refugiados mostrou que esse programa é capaz de estabelecê-la.
O programa leva professores a criar uma atmosfera propícia ao
ensino de valores. As crianças captam amor e respeito quando
os professores são os modelos.

ISTOÉ – No Brasil, a maioria das escolas tem a intenção de formar cidadãos éticos, críticos e participantes. Mas nem sempre sabe-se como fazer isso.
Diane –
A metodologia é importante. As crianças precisam sentir
que estão sendo educadas com paz, amor e respeito para aprender
isso. E esse programa ensina como aplicar estes valores também
na resolução de conflitos.

ISTOÉ – Como foram escolhidos esses valores? E por que é tão difícil torná-los realidade?
Diane –
Numa pesquisa feita em 1995, milhares de pessoas – crianças e adultos – de 129 países foram convidadas a visualizar “um mundo melhor”. Em todas as religiões, em todas as culturas do mundo, as respostas, em essência, foram as mesmas e se relacionam com esses 12 valores. Todos queremos a mesma coisa, mas saímos dos trilhos por causa do materialismo e do consumismo.

ISTOÉ – Como falar de valores para quem não tem o básico
para a sobrevivência?
Diane –
O programa desenhado para as crianças de rua é muito especial. Temos três livros para trabalhar com elas, de três a seis anos, de sete a dez anos, 11 a 14 anos. Envolvemos valores como paz, amor, respeito, honestidade e cooperação em histórias sobre famílias de crianças de rua. Mostramos que elas não são as únicas que sofrem com isso, mas que podem ter habilidades de proteção social. Falamos sobre drogas, adultos ameaçadores, escravidão, sexo, prostituição, violência, higiene, saúde e meio ambiente. Nós as levamos a desejar ser educadas e a ter um novo código de conduta. É um programa que dá poder a essas crianças. É preciso fortalecê-las para que saiam das ruas.

ISTOÉ – Onde o programa de meninos de rua foi implantado?
Diane –
Primeiro no Vietnã. Há um ano várias organizações que trabalham com crianças de rua adotam o programa. Desde novembro do ano passado, na Indonésia; em julho começamos na África do Sul; e, em setembro, na Argentina e no Brasil. Aqui fizemos, em Belo Horizonte, um treinamento de dez dias com profissionais de vários Estados.

ISTOÉ – Qual a maior dificuldade no trato com essas crianças?
Diane –
Na fronteira da Tailândia, percebi que as crianças eram deprimidas. Ficavam num canto nos observando por horas. Nesse acampamento havia apenas um brinquedo para 192 famílias e esse brinquedo só era usado pelos jovens. As crianças nunca brincavam. Nem sorriam. Retornei um ano depois e pude vê-las brincando, rindo e até criando seus brinquedos. Os próprios professores e os adultos em volta eram deprimidos, traumatizados. Primeiro tivemos que fazer o processo de treinamento deles e não foi fácil, mas foi uma experiência muito boa.

ISTOÉ – Quais são as experiências do programa no Brasil?
Diane –
Ao todo são 313 escolas de nove Estados, 10.821 educadores e cerca de 320 mil crianças e adolescentes envolvidos no programa. Visitei um Centro Educacional Unificado da Prefeitura de São Paulo, em Aricanduva, bairro da zona leste da cidade. A coordenadora de uma escola de educação infantil, que agora funciona lá, vem aplicando o programa há cerca de três anos. Ela é uma entusiasta.