Só no início do próximo ano, já no novo governo, será possível acertar o calendário das universidades federais. Isso porque quando a greve dos professores por melhores salários começou, em agosto, quase metade delas ainda estava ajustando sua programação em função das últimas greves, de 1998 e 2000, que, juntas, duraram 161 dias. Algumas não tinham nem começado o segundo semestre de 2001. A paralisação recente contou com a adesão de 98% das instituições do País e entra para a história como a maior mobilização do professorado brasileiro. O movimento, que durou 108 dias, deixou cerca de 500 mil estudantes sem aulas e provocou o adiamento dos vestibulares, atrapalhando a vida de muita gente. A paulista Amanda Tavares Pinheiro, 23 anos, ia fazer o exame para medicina em novembro na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, mas foi remarcado para este mês. "Passei o ano me preparando. Fiquei frustrada e estou ansiosa para que aconteça logo. Espero que não adiem novamente", torce a estudante. Maria Kallás, 18 anos, foi duplamente atingida. Aluna do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela cursava o último ano do ensino médio e prestaria vestibular no final do ano passado. "Não sento num banco de escola desde agosto. Não me formei nem prestei vestibular", conta ela, que, apesar de tudo, apoiou a greve.

Os prejuízos não atingiram apenas os vestibulandos. Quem ia se formar teve que refazer os planos. "Pretendia começar a pós-graduação em 2002 e tinha uma proposta de emprego, que vou perder porque os patrões exigem o diploma", desabafa Elisabeth José, de Belo Horizonte, que faz letras na UFMG. Na verdade, este será um ano difícil para todos, como alerta o reitor da Federal de Minas Gerais, Francisco César Barreto. "Vamos ter que sacrificar as férias para atingir os 100 dias letivos de cada semestre", explica ele. Na universidade de Brasília (UnB), o segundo semestre de 2001 irá de janeiro a abril. O ano letivo de 2002 só terá início a partir de maio. Será assim em quase todas as universidades do País.

No balanço geral, registram-se pelo menos alguns resultados positivos. Um deles foi a criação de grupos de trabalho com representantes do MEC, de reitores, sindicatos, lideranças acadêmicas e funcionários. O objetivo é discutir soluções para problemas estruturais, como modelo de gestão, financiamento, inclusive dos hospitais universitários, e o trabalho dos funcionários administrativos. E, claro, evitar novas greves, que, num ano eleitoral, seriam ainda mais desgastantes para o governo. Algumas questões, como a autonomia das instituições federais, deverão voltar à mesa de discussão ainda esse ano. As universidades desejam independência administrativa e financeira. O governo defende autonomia apenas para as questões de gestão e carreiras.

Segundo o professor Carlos Roberto Antunes, presidente da Associação Nacional do Dirigentes das Instituições Federais da Educação Superior (Andifes), as universidades vivem em crise pela falta de liberdade financeira. "Isso nos impede de tomar decisões importantes e de fazer planejamento", aponta Antunes. Para o governo, o debate precisa ser aprofundado. "Os sindicatos e algumas universidades são contrários à autonomia por achar que ela quebraria a unidade da rede federal de ensino, a única que existe", explica Maria Helena Guimarães, diretora da Secretaria de Educação Superior (Sesu). O impasse promete se prolongar, principalmente porque o repasse de recursos é outro ponto conflitante. Para o governo, há reservas para atender às universidades. "Em 2002, somente através da Sesu nada menos que R$ 7 bilhões do Orçamento estão destinados às federais", avalia Maria Helena. Mas de acordo com Roberto Leher, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior, esses recursos não são reajustados desde 1995. "As perdas chegam a 30%. Com a inflação, hoje o valor deveria ser de R$ 9,4 bilhões", critica Leher.

O valor previsto pela Sesu é 0,75% do PIB brasileiro e, segundo o governo, será engordado com R$ 400 milhões de verbas da Capes (programas de pós-graduação), além de verbas dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Saúde. "Isso não é acréscimo. Esses recursos são para o programa de bolsas para professores que fazem pós em outras instituições", esclarece Leher. A discussão sobre investimentos não sairá tão cedo da pauta de negociações. Até o governo já prevê isso. "O debate pode indicar que é preciso mais dinheiro, mas o importante é que o novo modelo seja definido por consenso até 2003. O que não se pode fazer é enfiar goela abaixo das universidades um projeto pré-concebido", reconhece Maria Helena. Pela mobilização que demonstraram no final do ano, ia ser mesmo difícil para os professores engolir novas imposições.