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MÚSICA E ANIMAÇÃO
Show de rumba no Club Zombie (acima), roleta no cassino do Hotel Nacional e
guerrilheiros no lobby do Havana Hilton: som do mambo trocado por rajadas de metralhadoras

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A agitação da vida noturna já marcou muitas cidades do mundo, mas poucas ficaram tão identificadas como sendo um exótico destino de boêmios como a Havana dos anos 1950. Aberta para o Mar do Caribe, a capital cubana oferecia o clima propício para madrugadas insones, alimentadas por cassinos, prostituição e cabarés nos quais se ouvia mambo, se dançava rumba e se embriagava de mojito e daiquiri. Em torno das roletas, lindas mulheres serviam de isca para turistas endinheirados dispostos a perder fortunas e amanhecer sujos de batom. Como escreve o jornalista T.J. English em “Noturno de Havana” (Seoman), o balneário era o lugar para se estar nos loucos anos pré-revolução – até Marlon Brando foi fisgado, passou uma noite no estrelado clube Tropicana e quis levar as congas do instrumentista local. Não foi o único. Liz Taylor, Edith Piaf, Frank Sinatra, Ava Gardner, Nat King Cole e Ernest Hemingway também provaram do “cenário mais efervescente do planeta”.

O que celebridades e turistas animados não sabiam é que toda essa festa regada a música e erotismo era comandada pela máfia americana, que montou em Havana o seu projeto mais ambicioso de controle do entretenimento noturno de um país. Impedidos de trabalhar nos EUA pela lei seca, chefões do crime organizado viram na cidade a apenas 160 quilômetros do seu país o local ideal para a sua atividade. Contaram, para isso, com total apoio do ditador Fulgencio Batista, que forneceu verba estatal para os empreendimentos hoteleiros que abrigariam a jogatina – e levava, obviamente, o seu quinhão, em malas de dinheiro. Roteirista de séries televisivas, English descreve a instalação dos cassinos desde os anos 1930, acompanhando o movimento de gângsteres como Lucky Luciano, Meyer Lanski, Santo Trafficante e Joe Stassi, entre outros.

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O livro é um filme pronto e, claro, já foi comprado para chegar aos cinemas pelas mãos de Oliver Stone. Numa das passagens, o autor descreve uma das viagens do presidente americano John Kennedy à ilha, na época senador pelo Estado de Massachusetts. Foi presenteado pelo mafioso Trafficante com uma orgia com três prostitutas, assistida pelos gângsteres através de uma parede de espelho e sem que ele percebesse. Esse clima de lascívia não era privilégio de poderosos: podia ser estendido a quem quisesse desembolsar quantias generosas. O negócio se tornou tão rentável e o país ia tão bem que Batista fez a maior loucura de toda a sua carreira política: libertou da prisão os irmãos Fidel e Raúl Castro, que organizaram a sua derrubada do poder. As rajadas de metralhadoras abafaram o som das orquestras no início de 1959, quando a população tomou as ruas na passagem de Ano-Novo ao saber da fuga de Batista. O primeiro alvo de sua fúria, após os parquímetros, foram as máquinas caça-níqueis dos cassinos, pilhadas e incendiadas. O luxuoso Cassino Riviera, por exemplo, foi invadido por camponeses que soltaram no seu saguão um carregamento de porcos, ilustrando a posição do governo revolucionário, que mais tarde nacionalizaria todo o complexo hoteleiro da cidade. Foi o fim da máfia de Havana – e de toda a festa que, por vias tortas, ela propiciava.

 

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 Leia um trecho do primeiro capítulo:

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O SORTUDO LUCKY


Quando Charles Luciano, de Nápoles, na Itália, embarcou
num enorme navio cargueiro no outono de 1946 e seguiu pelo
mar, ele tinha muitas coisas em mente, mas apenas uma importava:
Cuba, a Pérola das Antilhas, seria sua salvação, o lugar onde ele iria
ascender mais uma vez ao topo da mais poderosa organização criminosa
do mundo. Depois de uma década na prisão e no exílio, ele não
merecia nada menos.

Tendo sido deportado dos Estados Unidos há apenas sete meses,
Luciano não queria arriscar a sorte: sua viagem da Itália para
Cuba deveria ser um segredo conhecido apenas por seus parceiros
criminosos mais próximos. Usando um passaporte italiano e viajando
sob seu nome de batismo – Salvatore Lucania – ele saiu numa
jornada que iria durar quase duas semanas. O cargueiro que havia
deixado Nápoles na metade de outubro chegou primeiro ao porto
de Caracas, na Venezuela. Luciano ficou lá por alguns dias e depois
voou para o Rio de Janeiro, onde passou mais alguns. Depois de se
certificar de que não estava sob nenhum tipo de vigilância, Luciano
voou para a Cidade do México e de volta para Caracas, onde fretou
um avião particular para a última parte da viagem – para Cuba.

Ele pousou no aeroporto de Camagüey, no interior da ilha, na manhã
de 29 de outubro. Foram armados esquemas para que o famoso
mafioso descesse no canto mais afastado do aeroporto. Quando ele
saiu do avião, Luciano encontrou um oficial do governo cubano. As
primeiras palavras da sua boca para o oficial foram: “Cadê o Meyer?”
Luciano não teve de esperar muito para ver o familiar sorriso taciturno
de seu amigo de infância e antigo parceiro no crime. Um carro
chegou ao asfalto e parou perto do avião particular de Luciano.
De lá saiu Meyer Lansky.

Luciano e Lansky não se viam há meses. Lansky, com quarenta e
quatro anos de idade, estava arrumado e bronzeado, como sempre.
Sua estatura de 1,60m havia dado a ele o apelido de “Little Man” [Homenzinho].
Era uma ironia: na profissão que escolhera, como um
empreendedor do submundo que se especializou no jogo, Lansky era
tudo, menos pequeno. Luciano sabia que isso era verdade porque fora
parceiro de Lansky em vários de seus esquemas mais ambiciosos.

Luciano era mais alto do que Meyer, com um clássico tom siciliano
que seria eternamente descrito na imprensa como “moreno”. Aos
cinquenta anos de idade, seu cabelo preto havia começado a ficar grisalho
nas têmporas e seus muitos anos na prisão haviam suavizado
seu físico. Luciano passou quase toda sua década de quarentão atrás
das grades, e muita da arrogância da juventude que caracterizou seu
levante no poder em Nova York havia sido amaciada pela monotonia
e humilhação da vida na prisão. “Lucky” [Sortudo] como Luciano era
às vezes conhecido, estava esperando ter seu amuleto de volta, reafirmar
seu poder e redescobrir seu gângster interior. Cuba seria o local.

Com Lansky ao seu lado, o famoso mafioso passou pela alfândega
cubana em tempo recorde. Lansky era um poderoso da ilha,
amigo dos oficiais do governo até o topo. Foi Lansky que um mês
antes mandou uma nota cifrada para Luciano na Itália, que dizia:
“Dezembro – Hotel Nacional.” Luciano sabia o que isso significava.
Os planos dele e de Lansky para Cuba vinham de décadas.

Acompanhado por um guarda-costas e um motorista, os dois homens
dirigiam-se para o Grand Hotel lá perto, o estabelecimento
mais renomado para jantar no interior do país. Do terraço do café
do hotel, eles podiam ver toda cidade de Camagüey, com suas ruas
tortuosas, torres de sino e telhados terracota. O almoço foi opulento
e acompanhado pelo doce rum Santiago. Em seguida, Luciano e
Lansky continuaram em direção à capital de Havana.

O almoço de celebração e a viagem de duas horas de carro pela
ilha foi um momento de nostalgia e expectativa para esses dois homens
criados no Lower East Side da ilha de Manhattan. Eles estarem
sentados num carro dirigindo livres por Cuba foi resultado de
uma fantástica reviravolta nos acontecimento.