No domingo 20, Dia Nacional da Consciência Negra, comemoram-se 310 anos da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência negra no Brasil. E, apesar do muito que falta para a inclusão social plena de 45% de afrodescendentes que compõem a população brasileira, a comunidade negra pode brindar a algumas vitórias. Uma delas é o sucesso da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares – Unipalmares, que nasceu há dois anos com o objetivo de inclusão de jovens negros no ensino superior. Outra iniciativa pioneira, que estreará no dia dedicado ao guerreiro alagoano, é a TV da Gente, um sonho do cantor e empresário Netinho de Paula que nasce com a proposta de ser a primeira emissora brasileira a dar ênfase à pluralidade racial e cultural do País.

Os dois empreendimentos, ressaltam seus fundadores, priorizam as carências da população negra, mas não se destinam só a ela. “Apesar de 87% dos alunos serem negros, temos japoneses, bolivianos e brancos. Somos uma faculdade normal, onde a contribuição afro é valorizada”, explica o reitor José Vicente. A universidade é um braço da Afrobras (Sociedade Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sócio-Cultural). Um outro instrumento de ação da Afrobras é a revista bimestral Afirmativa Plural, distribuída em órgãos públicos e empresas e entidades afinadas com o tema. A edição especial deste mês trará os ganhadores do Troféu Raça Negra, dedicado a personalidades que promovem a cidadania e a defesa de direitos.

Com 650 alunos – muitos já fazendo estágios em bancos como Bradesco, Santander, Unibanco, Itaú e Safra –, a Unipalmares tem entre seus parceiros a Universidade Paulista (Unip), a escola de inglês Alumni e as empresas Nestlé, IBM e Microsoft. “Temos cursos de administração, comércio exterior e sistemas de informação. Oferecemos qualidade com mensalidades de R$ 260”, explica José Vicente. Quando questionado se a faculdade não sugere uma segregação ao contrário, o reitor é enfático: “Judeus, alemães e japoneses têm escolas que valorizam sua cultura. Por que isso não pode se dar com os negros? Severino Franco, 24 anos, que no ano passado tinha apenas mais um colega branco na classe, concorda. “Somos fruto da diversidade. Ao contrário do que acontece com negros em outras universidades, nunca fui discriminado aqui”, conta.

O empresário Netinho aposta no mesmo raciocínio. “Vamos respeitar a pluralidade do povo e dar entretenimento e informação às classes C, D e E, também formadas por brancos, mas desprezadas há 50 anos pela tevê brasileira”, diz, em meio às marteladas da construção dos cenários, comandada pelo cenógrafo – loiro, de olhos azuis – Orlando Midaglia, da equipe de Hans Donner. “A diferença é que essa tevê terá negros no comando e qualificará mão-de-obra negra. Já temos 400 pessoas aqui, negros e brancos. Quantos negros têm chance de estar na televisão hoje?”, pergunta.

A TV da Gente, um investimento de R$ 12 milhões, será produzida em São Paulo e transmitida em UHF a partir de Fortaleza (CE). A direção de jornalismo será de Conceição Lourenço, ex-diretora da revista Raça Brasil. Entre outros convidados estão o ex-jogador de futebol Müller, o editor-chefe do programa Cartão verde, da Cultura, Gilberto de Almeida, e a atriz Cinthya Rangel, que atuou no Castelo Rá-Tim-Bum da Cultura e no Domingo da gente, apresentado por Netinho na Rede Record, onde permanece contratado.

Outra novidade é a estréia do mineiro Hédio Silva Júnior, atual secretário da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, comandando um talk show sobre direitos e Justiça. Primeiro negro a ocupar o cargo no País, o secretário anunciará até o fim do mês a criação de postos no interior para queixas à violação de direitos. Do governo Alckmin, terá R$ 1 milhão para dar título de propriedade territorial a 44 comunidades quilombolas no Estado. “Estamos dando treinamento aos policiais sobre igualdade racial, para evitar casos como o do dentista Flávio Ferreira Sant’Ana, morto por policiais devido à cor da pele”, acrescenta Hédio.

Os ativistas também comemoram a inserção educacional de 40 mil afrodescendentes por meio do ProUni, programa de bolsas em faculdades particulares criado pelo governo federal. “Iniciativas como a da Unipalmares e a TV da Gente são necessárias e legítimas, mas queremos a inserção do negro em universidades de todo o Brasil. Este programa foi uma vitória”, vibra Frei David Santos, coordenador da Educafro, rede de cursinhos pré-vestibulares. A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, também lançou na terça-feira 8 o Plano Trabalho Doméstico Cidadão. A meta é escolarizar e capacitar seis milhões de profissionais, 95% dos quais mulheres, 57% negras. “O racismo aqui é perverso e requer atuação sistemática do governo para garantir a igualdade de direitos”, defende.