O publicitário Washington Olivetto define como uma “catarse de felicidade” o desfecho de seu drama. Ele acredita que a prisão dos sequestradores que o mantiveram em um cubículo durante 53 dias acabou virando a boa notícia em um país com a criminalidade fora do controle, mas acha que isso não é suficiente para que a situação melhore. “Precisamos fazer com que essa catarse se transforme em um chamamento à responsabilidade, uma mobilização nacional, sob o risco de daqui a algumas semanas se esquecer tudo isso”, adverte. Na quinta-feira 7, Olivetto concedeu uma entrevista de duas horas a ISTOÉ. Animado, ele contou detalhes sobre os dias de cativeiro, descreveu os momentos em que teve medo e as horas em que chorou. “Aprendi muito com todo esse episódio e saí do cativeiro com a certeza de que não tem mais cabimento a gente viver essa crise de segurança o tempo inteiro”, afirmou. O publicitário, que meses antes do sequestro estava trabalhando na campanha do Viva Rio, uma organização não-governamental que luta contra a violência, elogiou parte da polícia, principalmente os PMs que o resgataram – tenente Biaggio e os soldados Pedro Luiz, Guimarães e Julião –, mas confidenciou ter feito um alerta ao presidente Fernando Henrique Cardoso. “Temos um alto nível de preconceito, mas tem gente tentando trabalhar direito na polícia. Os quatro PMs que me tiraram lá de dentro tiveram a oportunidade de estar com gente da minha família, da minha empresa por mais de meia hora. Eles poderiam ter pedido o que fosse naquela hora. Mas a única coisa que pediram foi que eu contasse
o que eles tinham feito”, lembra. “Falei para o presidente Fernando Henrique que a segurança neste país está uma loucura, mas que tem gente trabalhando direito. Embora lhe tenha dito também que isso não
é suficiente. Acho que o presidente tem que trabalhar loucamente
para resolver essa questão.”

Em seu apartamento de cobertura nos Jardins, um bairro nobre de São Paulo, Olivetto estava eufórico. Não cansou de repetir as manifestações de carinho vindas de todas as partes, inclusive de famosos como Gilberto Gil, Roberto Carlos e Lulu Santos. Chegou a acenar para vizinhos do prédio ao lado que o observavam pela janela, e quem o visse pela primeira vez seria incapaz de supor que menos de uma semana atrás havia saído de um verdadeiro inferno, apesar de seu estado físico denunciar os três quilos a menos e um rosto ainda abatido. Esse estado de espírito, no entanto, já é o resultado do que o publicitário descreve como um “carinho exagerado”. “Desde o sábado, quando fui libertado, tenho sido poupado das más notícias. Só recebo os amigos e nesses momentos as pessoas nos dão o melhor que elas têm. Isso tudo ajudou a retomar a minha personalidade, que não é trágica. Mas é claro que no sábado eu não me sentia assim. Estava amargo, decepcionado com o meu país
e não parava de me perguntar: por que eu? Justo eu, um cara que ajuda
a construir uma imagem positiva do Brasil lá fora, um corintiano
popular, sem inimigos?”

No cativeiro, Washington Olivetto permaneceu descalço e durante os 53 dias usou dois joggings. Ele teve medo e chorou em diversas ocasiões. Olivetto lembra que no início imaginou ser vítima de um crime comum, desses que se resolvem em poucas horas. Somente no segundo dia de cativeiro, quando recebeu dos sequestradores um exemplar da semanal inglesa The Economist é que o publicitário percebeu que estava nas mãos de bandidos profissionais. “Na hora fiquei apavorado, pois tive a certeza de que o cativeiro seria demorado e o resgate deveria ser muito caro, com uma negociação difícil. Depois, consegui racionalizar a situação e pude ver um lado positivo, pois, em tese, os bandidos profissionais não iriam me matar à toa.” Foi nesse momento que o sequestrado resolveu que tinha que ocupar e administrar o tempo. Sabia que seu desafio era sobreviver dentro das regras determinadas por seus algozes e afixadas em uma das paredes do pequeno cubículo. “Eu não podia fazer barulho, não podia me aproximar das paredes. Sempre que a luz piscasse duas vezes, deveria me virar para a parede, de costas para a porta. Nesses momentos, entravam duas pessoas. Uma delas me pressionava contra a parede e a outra deixava uma bandeja com comida e bebida”, lembra.
A seguir, alguns trechos da entrevista:

ISTOÉ – Algum dia passou por sua cabeça que seria vítima de sequestro?
Washington Olivetto –
Jamais. Sempre fui um cara da galera, corinthiano. De agora em diante vou tomar mais cuidado com a segurança. No dia do sequestro eu estava tranquilo e no momento da abordagem tentei reagir. Cheguei a bater em um cara, mas eram cinco ou seis e me dominaram com facilidade. No carro me colocaram um capuz. No meio do caminho pararam e me trocaram de carro, acho que foi no estacionamento de um cemitério. No cativeiro, tive a certeza de que estava em São Paulo, pois não rodamos tempo suficiente para sair da cidade, mas errei muito. Imaginava que estivesse em lugar perto do bairro do Limão (zona norte). Nunca pensei que estivesse no Brooklin (zona sul).

ISTOÉ – Qual foi o segredo para sobreviver aos 53 dias de cativeiro?
Olivetto –
Quando percebi que era vítima de um grupo de profissionais, decidi que o melhor a fazer era jogar com as regras dos sequestradores. Mas o que me salvou foi uma caneta esferográfica e um caderninho vermelho. Escrevi muito. Mandava cartas e mais cartas para minha família e meus amigos. Eram cartas que sabia que jamais chegariam a eles, mas nelas encontrei uma maneira de tentar me comunicar com os bandidos. Essas cartas foram localizadas pela polícia em Serra Negra e acabaram sendo a pista que me libertou. Nos primeiros dias, usando um garfo de plástico, escrevia na parede os nomes das pessoas que gosto. Era uma forma de focar essas pessoas, pensar nessas pessoas e assim fazer o tempo passar e evitar uma depressão. O segredo era não ser dominado por emoções ou fantasias.

ISTOÉ – Foram muitas as fantasias?
Olivetto –
Claro. Cheguei a imaginar o caubói do Marlboro chegando em seu cavalo para me salvar. Mas logo voltei para o chão e vi que isso era impossível. Então, fazendo valer o talento de publicitário, fiz um slogan para mim mesmo: “ficção, ficção, ficção…” Repetia esse slogan cada vez que alguma fantasia vinha à cabeça.

ISTOÉ – Quando o sr. percebeu que estava nas mãos de uma quadrilha internacional?
Olivetto –
Nunca ouvi a voz dos sequestradores, mas os bilhetes que eles me passavam eram escritos em espanhol. Nessa hora tive a certeza de que no grupo havia gente da América Latina. Mas entre eles também havia algum brasileiro, pois uma das cartas veio escrita em um português de muita qualidade. Ela não foi escrita por bandidos comuns.

ISTOÉ – E o medo.
Olivetto –
Tive medo em diversos momentos. Tive medo de morrer, mas logo resolvi que não me entregaria fácil. Iria lutar contra a morte. Às vezes tinha algumas recaídas. A última foi quando percebi que os sequestradores tinham ido embora. A luz apagou, a música parou e começava a faltar ar. A entrada de ar não estava funcionando. Nessa hora, o medo foi grande, mas reuni forças e consegui descascar a porta
e desaparafusar um pouco a dobradiça. Meti um pé na porta e consegui uma pequena fresta de luz e ar. Mais que isso, ouvi dois latidos e
percebi que, se eu ouvia o que acontecia lá fora, alguém do lado de
lá também me ouviria.

ISTOÉ – Deu tempo para chorar?
Olivetto –
Chorei muito e por motivos diferentes. Primeiro chorei por causa do ódio de estar vivendo aquela situação. Do ódio de ser sequestrado dentro de meu próprio país. Também chorei por medo. Medo de morrer, de não voltar a ver a luz do dia, de não poder usufruir os frutos do meu trabalho. E chorei mais ainda de saudade. Saudade da família, saudade dos amigos, saudade de todos e, principalmente, saudade de mim mesmo. Eu fiquei sem me ver, sem me sentir.

ISTOÉ – E a comida.
Olivetto –
Às vezes vinha uma salada, um frango, um pedaço de carne e sempre tinha feijão com arroz, talvez meu prato preferido. Mas sabia que precisava administrar isso bem, pois não poderia correr o risco de ter algum problema intestinal, já que meu banheiro era uma bacia. No Natal fiquei profundamente triste, mas me lembro que serviram algumas fatias de peru, acho que até como um simbolismo.

ISTOÉ – E agora?
Olivetto –
Vou ficar legal.

No final da entrevista, Olivetto afirmou que em toda a sua vida,
até o momento do sequestro, não havia nada que quisesse esquecer,
nem mesmo a morte de seu pai. “Agora é diferente. Aprendi mecanismos
de sobrevivência que nunca havia imaginado, mas quero esquecer
isso tudo”, afirmou. O ideal é que o Brasil também consiga retirar
de sua memória um tempo em que dezenas de pessoas eram
subjugadas por sequestradores.

Salve o Corinthians

O jornalista Nirlando Beirão tem dois bons motivos para comemorar nesse Carnaval. O primeiro é a libertação do amigo Washington Olivetto. O segundo é saber que, nos 53 dias em que permaneceu em poder dos sequestradores, o publicitário traçou todo o esboço de um livro sobre o Corinthians, que terá o texto final elaborado por Beirão. Se depender do talento dos autores e da popularidade do clube, o livro tem tudo para ser um sucesso. A obra será dividida em duas partes. Na primeira, escrita em folhas brancas, um fanático corintiano narra a história do clube para um americano. Nesse história, o centroavante Romário veste a camisa do Timão; Domingos da Guia e seu filho Ademir, também.

O busto de Neco, no Parque São Jorge, tem a mesma dimensão da estátua de Abraham Lincoln, em Washington, nos Estados Unidos. Na segunda parte, em páginas pretas, a verdade é restabelecida e o leitor poderá entender um pouco mais do sofrimento e da alegria de ser corintiano, mesmo sabendo que a camisa alvinegra jamais foi usada por Ademir da Guia.