Tudo que eu queria era um chiclete e um jornal de esportes para ler na viagem, mas os títulos dos livros nas prateleiras foram atraindo meu olhar. Primeiro avistei “A Cabeça de Steve Jobs”. E em seguida “A Cabeça de Peter Drucker”, que, perdoem a minha ignorância na matéria, até então eu não sabia que existia. Óbvio que fui investigar no oráculo de nossa era, o Google. Drucker, segundo li, foi um analista financeiro austríaco, morto em 2005. É um dos mais influentes estudiosos de gestão de todos os tempos, guru de executivos e ícone do mundo dos negócios.

Diante dos livros, pensei: que diabo de fetiche seria esse por cabeças de homens brilhantes, meu Deus?
Sim, sei que isso é literatura para executivos e empresários. Mas será que há algum incauto entre eles que acredita que, “entrando” na mente de Steve Jobs ou de outro gênio empresarial, terá o mesmo sucesso que ele? Curioso também é notar que, apesar do culto a essas mentes brilhantes, este mundo hipermoderno e ultracapitalista não preza, infelizmente, o que as cabeças têm de mais especial – a própria capacidade de pensar e criar com originalidade e personalidade. O mundo corporativo em geral quer ideias prontas, reconhecidamente bem-sucedidas, não ideias visionárias. Aqui e ali, porém, um pequeno milagre acontece. Aí então o dono da cabeça milagrosa passa a ser objeto de admiração e mesmo adoração (vide os casos de Drucker, Jobs e outros tantos).

Essa divagação sobre cabeças, de repente, trouxe à minha a memória de algumas cabeças célebres. De imediato me lembrei do hoje clássico filme “Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia”, do controverso cineasta Sam Peckinpah, dono de uma filmografia sangrenta e brilhante e objeto de culto de nomes como Quentin Tarantino, Robert Rodriguez e irmãos Cohen. No filme, um homem tem sua cabeça posta a prêmio depois de engravidar a filha de um ricaço mexicano. A caçada se dá em ritmo frenético e surreal, com doses fartas de humor negro e violência macabra.

Outra famosa cabeça de que me lembro agora é a do genial compositor paulistano Walter Franco, que incendiou o Festival Internacional da Canção de 1972, com a síntese explosiva dos versos de sua canção batizada de… “Cabeça” – “que é que tem nessa cabeça / saiba que ela pode ou não / que é que tem nessa cabeça / saiba que ela pode explodir, irmão”. “Você viu o cabeção por aí? Eu não, eu não vi, não.” Nos anos 70, o Brasil inteiro cantou esse refrão saboroso e engraçado em coro com o grupo Golden Boys. Não é difícil adivinhar o nome do hit: “O Cabeção”, claro.

Mais recente é o filme que o gótico Tim Burton dedicou a “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”, uma alegoria fantasmagórica sobre um cavaleiro amaldiçoado. Na cultura popular brasileira há a “mula sem cabeça” que, segundo dizem, era uma mulher que teria seduzido um padre e por isso tornada vítima de maldição. Referências históricas também não faltam – João Batista, Maria Antonieta, Tiradentes, Robespierre, Ana Bolena –, cujas cabeças tornaram-se troféus nas mãos de seus desafetos.

Agora vejo as cabeças estampadas nas capas dos livros com receitas infalíveis de sucesso e me pergunto: quando é que dedicarão um livro à alma de Steve Jobs? Quando isso acontecer, talvez comece a me interessar por tal literatura. 

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias