A operação de salvamento da Varig, a mais antiga empresa aérea brasileira, finalmente ganhou um aliado de peso: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em menos de 30 dias, o banco estatal conseguiu montar uma operação financeira que pode tirar em definitivo a companhia do buraco. O primeiro passo foi aprovar junto aos seus credores a proposta de venda das subsidiárias VarigLog e VEM (manutenção) para a Transportes Aéreos Portugueses (TAP), na terça-feira 8, que permitiu o aporte de US$ 62 milhões e evitou a retomada de 40 aviões pela Justiça americana. A entrada do BNDES não só deu credibilidade à operação, mas também sinalizou para o mercado a disposição do governo Lula de recuperar a Varig. “Foi uma solução de mercado e sem a utilização de recursos públicos”, disse Guido Mantega, presidente do banco.

É bom que se diga que o BNDES está financiando a TAP, que tem como fiador o Tesouro português. Dos US$ 62 milhões, dois terços, ou US$ 41 milhões, vêm em forma de empréstimo do BNDES para os portugueses. O custo do financiamento inclui spread anual de 4,5%, mais reajuste baseado em uma cesta de moedas, prazo de 63 meses para pagamento e carência de 26 meses. Como a legislação brasileira impede que estrangeiros tenham mais de 20% do capital de companhias aéreas, foi criada a Aero Luso-Brasileira Participações, chamada de Sociedade de Propósito Específico ou SPE. Essa empresa tem como sócios, além da TAP, o fundo Stratus de Investimentos (a parte brasileira que detém 80% da empresa) e o bilionário chinês Stanley Ho. A TAP, na verdade, vai colocar US$ 3 milhões na compra das subsidiárias da Varig. O restante vem do empresário chinês, dono da 151ª maior fortuna do mundo, segundo a revista Forbes. Também está previsto até o final do ano a entrada de mais US$ 40 milhões no caixa da Varig, como antecipação de recebíveis de cartões de crédito da TAP.

Desde que entrou no processo de recuperação judicial, há cinco meses, a Varig vive em permanente turbulência. São brigas entre credores, acionistas, controladores, funcionários, fornecedores. Para decolar, precisava resolver seus problemas de caixa e afastar o fantasma das arrendadoras, que queriam de volta os 40 aviões, mais da metade de sua frota atual. O presidente do conselho de administração da Varig, David Zylbersztajn já vê uma luz no fim do túnel depois que o BNDES resolveu entrar no negócio. Mas demorou. Tudo começou no dia 14 de outubro, uma sexta-feira. O vice-presidente José Alencar convocou as estatais – BNDES, Banco do Brasil, BR Distribuidora e Infraero – e pediu que encontrassem um jeito de tirar a Varig da situação crítica que se encontrava. Alencar estava preocupado com o estrago social que uma iminente quebra da Varig causaria. O estrago não seria só nos empregos (mais de 18 mil), mas também político. Afinal, o governo Lula poderia ser acusado de ter deixado a empresa afundar.

“A situação estava muito difícil. Era preciso decidir se haveria uma solução de governo ou de mercado”, contou um dos presentes na reunião. Na véspera do encontro com Alencar, havia acontecido a assembléia dos credores da Varig, que acabou em bate-boca e xingamentos. O vice-presidente foi informado do mau momento da companhia e pediu uma proposta que pudesse salvar a Varig. Foi aí que o presidente da Infraero, Carlos Wilson Campos, comentou que o pessoal da área de capitais do BNDES vinha burilando o desenho de uma possível operação envolvendo a Sociedade de Propósito Específico (SPE). Foi explicado que a SPE aglutinaria investidores e viabilizaria a compra da VarigLog e da VEM, injetando dinheiro na Varig. Alencar se animou, abriu um sorriso e disse ter adorado a idéia. Pediu que aprofundassem os estudos e marcou nova reunião para 18 de outubro.

No dia marcado voltaram todos ao gabinete do vice-presidente. Na época, o risco de a Varig perder os 40 aviões havia aumentado e a audiência na Corte de Falências em Nova York estava marcada para o dia 24 de outubro. Esse fato deixou o encontro mais tenso. Além disso, a venda das subsidiárias estava praticamente acertada com o fundo americano MatlinPatterson por US$ 38 milhões. A entrada dos americanos era rejeitada pela maioria dos credores e funcionários que viam o negócio como ruim, principalmente pelo preço. Alencar recebeu explicações detalhadas sobre o plano do BNDES, mas ainda faltava resolver alguns problemas, como o das garantias. O banco não podia correr riscos sob pena de ter que responder aos órgãos fiscalizadores. Passaram pelo gabinete do vice-presidente o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, além do empresário Nelson Tanure e representantes dos aeronautas. Cinco horas depois de muita discussão, Alencar bateu o martelo: “Vamos fazer essa operação do BNDES. E vai ser desse jeito, com SPE. Como? Vocês vêem depois”, disse Alencar e encerrou a reunião.

Com o sinal verde do vice-presidente, a corrida dos técnicos do BNDES passou a ser contra o tempo. Era preciso montar toda a operação, encontrar os investidores, preparar contratos, conseguir as garantias… Trabalho que fazia com que a equipe do BNDES varasse madrugadas. Mas primeiro era necessário preparar um comunicado explicando a operação de maneira simples. O comunicado foi lido na assembléia de credores da Varig do dia 19 de outubro e sinalizou a entrada definitiva do governo brasileiro na operação de salvamento da Varig. Entre os dias 19 e 21 de outubro, foi a vez de a TAP comunicar sua volta ao negócio. Em uma conversa telefônica entre Fernando Pinto e o presidente do BNDES, Mantega exigiu garantias. Uma carta aprovada pelo governo de Portugal selou o acordo. De lá até a quarta-feira 9, quando o dinheiro foi depositado na conta da Justiça americana, Mantega informava diariamente ao presidente Lula e a José Alencar o andamento do processo dentro do banco. No final, tudo deu certo e a Varig voltou a respirar. Pelo menos até o dia 22 de dezembro, quando terá de aprovar o seu plano de recuperação judicial e voltar à Corte de Falências americana para uma nova audiência.