Os repórteres Amaury Ribeiro Jr. e Leopoldo Silva, da sucursal de ISTOÉ em Brasília, levaram quase duas semanas para produzir a reportagem que mereceu a chamada de capa desta edição. O texto de Amaury e as fotos de Leopoldo mostram a guerra brutal entre traficantes brasileiros e paraguaios pelo controle da fronteira Brasil/Paraguai. Depois de uma semana de árduas negociações, os repórteres conseguiram entrevistar e fotografar o paraguaio Carlos Cabral, conhecido como “Líder”, logo após sua fortaleza ter sido atacada pelo bando do Primeiro Comando da Capital (PCC), chefiado por Douglas Ribeiro Cunha, fugitivo do Presídio de Ribeirão Preto. O filho do paraguaio foi uma das vítimas do massacre. Uma criança de apenas três anos.

Desde o ataque, Cabral, que se esconde com seus capangas numa de suas fazendas a uma hora da fronteira com o Brasil, redobrou os cuidados. Para entrevistá-lo, os jornalistas de ISTOÉ foram obrigados a seguir um rígido plano de segurança imposto pelos secretários do traficante. A senha e o número de um telefone para contato foram passados aos repórteres por um emissário de Cabral, em Pedro Juan Caballero, município paraguaio localizado na fronteira com o Brasil.

No dia seguinte, um domingo, o tio de Cabral, Emílio, após vários contatos telefônicos, encontrou-se com os repórteres numa churrascaria, no município de Coronel Sapucaia, no Mato Grosso do Sul, dividido apenas por uma rua de Capitán Bado, Paraguai. De lá, Emílio Cabral encaminhou os jornalistas até a casa do traficante, onde havia ocorrido o ataque do PCC. As marcas do tiroteio podiam ser vistas por todo lado. Nos muros e nas paredes, ainda manchados de sangue, predominavam os buracos, provocados por tiros de fuzil. No quintal e no piso da varanda, as crateras abertas pelas granadas chamavam mais a atenção. Temendo que os jornalistas pudessem ser seguidos pelo grupo de traficantes rivais, Cabral telefonou de seu celular para sua casa a fim de conceder a entrevista. Em mais de duas horas de conversa, ele resolveu quebrar o pacto de silêncio, mantido há anos pelos traficantes de Pedro Juan Caballero, para revelar com detalhes o submundo do crime no Paraguai, onde, segundo ele, se pode comprar tudo com dinheiro. Policiais, promotores, juízes e jornalistas da região que vivem à custa de propinas dominam o cotidiano descrito pelo traficante. “É difícil encontrar na fronteira policial ou autoridade que não recebam propina dos traficantes. Já os jornalistas recebem não só dos traficantes, mas também dos policiais para calar a boca”, disse.

No final da entrevista, Cabral se comprometeu a planejar um encontro com os repórteres para ser fotografado. Depois de quase uma semana de espera, o primo e braço direito do traficante, Aníbal Cabral, marcou um encontro com os repórteres na saída de Capitán Bado. Com os olhos vendados, os jornalistas seguiram em direção ao esconderijo num carro alugado, dirigido por Aníbal, escoltado por camionetas com seguranças, que surgiam, de repente, de fazendas localizadas à beira da estrada. Durante o trajeto, o comboio não encontrou resistência para atravessar as barreiras do Exército e da Polícia paraguaios.

O encontro com Cabral ocorreu por volta das 11 horas numa fazenda de sua propriedade, cercada por vigias armados com fuzis e metralhadoras. Com a barba por fazer, Cabral ainda estava em estado de choque e, ao lembrar os momentos que antecederam o ataque, não se cansava de culpar-se pela morte do filho.

O relato dos repórteres é uma nítida fotografia do crime organizado, que, como um verdadeiro Estado paralelo, com controle sobre polícia e autoridades, vem desafiando com sucesso o poder constituído.