Um mês depois da chegada do euro à vida real de 300 milhões de europeus, o holandês Wim Duisenberg, presidente do Banco Central que controla a nova moeda de 12 países, tem o que comemorar. Tecnicamente, a operação foi perfeita e a temida transição está na reta final. Em média, mais de nove em dez pagamentos em dinheiro são feitos com euro. Em todos os Estados participantes, a circulação da moeda nacional é praticamente residual. Os caixas automáticos funcionam normalmente. As filas de espera nos estabelecimentos comerciais desapareceram, as atividades nas agências bancárias voltaram a seu nível normal, as dificuldades de aprovisionamento em euros no comércio foram superadas com a reutilização das notas e moedas que os consumidores usam em suas compras. Nos circuitos econômicos, a nova moeda também já circula com familiaridade e desenvoltura.

O que o presidente do Banco Central jamais poderia prever é que, passada a euforia da chegada, proporcionada pela descoberta das novas cédulas e moedas, pela leitura ávida das cartilhas explicativas, a enxurrada de propaganda e a festa de boas-vindas, o euro iria enfrentar uma espécie de “crise de identidade”. Ele está presente na carteira dos europeus, mas não na sua cabeça. Ou seja, os europeus aderiram ao novo dinheiro, mas raciocinam na sua moeda e, de alguma maneira, sofrem ao fazer a conversão. Essa transição não tem sido fácil.

Centavos – Na França do filósofo Jean-Paul Sartre, pai do existencialismo, a questão já é discutida em alto nível e, claro, muita polêmica. Jacqueline Barus-Michel, psicóloga e professora francesa, comparou a assimilação do euro ao aprendizado de um idioma. “Os preços em euros nos provocam os mesmos problemas que um texto escrito em outra língua”, disse ela ao jornal Libération.

Imagine-se o que passa na cabeça de um italiano quando ele compra alguma coisa em euro por dois dígitos, 50, por exemplo, e pensa nas 96.800 liras. Pior ainda quando a conta envolve centavos, algo até então absolutamente fora da vida do italiano, mas extremamente importante para os franceses. Os belgas também estão irados com os aumentos de preços e atrapalhados com o número de moedas que consideram excessivo.

Para o brasileiro, pós-graduado em troca de moedas, pode parecer uma tempestade em copo d’água. Afinal, desde 1942, quando usava mil-réis, o País trocou de moeda oito vezes: cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real e real. Para o europeu, isso é pura maluquice. A moeda é um símbolo nacional que reverencia seus heróis e tem seu valor reconhecido no escuro, mesmo os centavos. Aliás, é no desprezo aos centavos, que ainda não sabem manipular com facilidade e que estimularam o arredondamento de preços, que os europeus revelam uma ponta de rejeição à nova moeda.

Impacto psicológico – Um café no Marais, uma das regiões mais charmosas de Paris, custava antes do euro 17 francos; custa agora 2,7 euros, ou o equivalente a 17,71 francos. Esses 71 centavos a mais têm tido um efeito negativo na assimilação da nova moeda. “Realmente, há qualquer coisa psicológica importante a observar”, disse Thierry Vissol, da Comissão Européia. E é alguma coisa nessa linha que a comissão vai pesquisar entre o fim de março e o começo de abril. A intenção é saber, principalmente, se os europeus estão incorporando preços e valores em euros e se conseguem saber exatamente o que gastam com a nova moeda.

O que a comissão já sabe é que a operação – perfeita, com uma logística sofisticada e milionárias campanhas de esclarecimento – falhou num detalhe crucial: desconsiderou o impacto psicológico da troca de moeda em 300 milhões de pessoas de 12 países diferentes. Quando passou a curiosidade, essas pessoas caíram na realidade e descobriram, no dia-a-dia, que o euro é, mas não é, seu dinheiro.