A São Paulo Fashion Week, calendário oficial da moda brasileira, está de cara e roupas novas. Passado o modismo em torno do Brasil, discrição e profissionalismo se firmaram como principais características da 12ª. edição do evento, que aconteceu na semana passada em São Paulo. Para desgosto dos fãs e curiosos de plantão poucos famosos deram as caras. Na passarela, nada da top Gisele Bündchen. Vagando pelos corredores, jornalistas, fotógrafos e produtores faziam força para localizar a grande estrela Naomi Campbell e outras de menor brilho, como Mel Lisboa, Fernanda Lima e Regina Casé. Estilistas e consultores do mundo fashion não se cansavam de elogiar a seriedade do evento. “A nossa semana de moda está perdendo aquela cara de shopping center”, comentou Alexandre Herchcovitch, um dos estilistas mais elogiados da temporada (leia quadro). “É a nossa melhor fashion week”, completou a empresária Costanza Pascolato. Ela assistiu a todos os desfiles das 25 grifes que apresentaram suas coleções outono-inverno 2002.

Glamour – Para os figurões do mundo da moda esta edição do evento pode ter sido realmente comedida. Mas, para quem nunca chegou perto de uma passarela, tudo ali é puro glamour. A convite de ISTOÉ, a modelo iniciante Viviane Boaron, 17 anos, e a costureira Ancelma Ribeiro foram conferir os primeiros dias da semana de moda. “Tem muita gente chique, famosa e elegante”, comentou Ancelma, que costura “pra fora” há dez anos e nunca tinha assistido a um desfile. Já Viviane se esbaldou com a quantidade de produtos e cuidados oferecidos pelos estandes dos patrocinadores da Fashion Week (leia quadro): “Virei top model, estilista e criança”, resumiu a modelo, em seu “dia de princesa”.

Mãe de três adolescentes, Ancelma costura cerca de 300 peças por semana na confecção para a qual trabalha, e ganha o suficiente para manter a família e a modesta casa em Guarulhos, na Grande São Paulo. “Algumas das nossas roupas vão para a Daslu, mas não imaginava que a moda dos ricos que se apresenta nas passarelas fosse tão chique assim”, disse a costureira ao sair do desfile da M.Officer. Mal sabe ela que as coleções da grife de Carlos Miele são sempre criticadas por seu excesso de regionalismo. O estilista, competente e fã inveterado da cultura brasileira, é comumente mal interpretado pelos fashionistas (nome atribuído aos figurões do cenário da moda). Mas, desta vez, deixou as performances ousadas de lado e caprichou na coleção. “O inverno da M.Officer tem como tema central a mestiçagem e será cheio de patchwork de chamois, couro com lycra, penas e peles falsas”, explicou Miele, minutos antes de entrar na passarela. Durante o desfile, as peças do estilista que mais chamaram a atenção foram os jeans desfiados e os fuxicos (espécie de amarradinho de pano) de strech de jeans.

Ancelma realizou o sonho de conhecer o criador da M.Officer, mas não gostou da ousadia de Miele ao sobrepor vestidos às calças compridas. “Funciona na passarela, mas duvido que essa moda pegue”, bradou. Miele não foi o único a investir no modelito. Saias sobre leggings estão presentes em quase todos os desfiles. Os criadores e consultores de moda afirmam que não se pode falar mais em tendência. Insistem em dizer que cada estilista elabora seu próprio trabalho, mas a sobreposição de panos e peças é um denominador comum em quase todos os desfiles.

Assimetria – A Zoomp, que apresentou 63 figurinos na terça-feira 29, faz parte do grupo. Sob o tema da “conquista entre o homem caçador e a mulher pássaro”, abusou de tecidos leves e esvoaçantes, com costuras e decotes desalinhados. “Insisti na assimetria porque ela cria dobras e pontas que nos remetem ao formato das asas e bicos de pássaros”, explicou o estilista Renato Kherlakian, dono da marca. Ancelma aprovou: “Chiquérrimas as blusas decotadas em farrapos de georgette de seda e em crepe pesado”, disse.

O jeans também vem com força total. A Ellus, sob o tema “jeans deluxe”, foi a grife que melhor explorou a tendência. Macacões, jaquetas, camisas, calças e bermudas de diferentes lavagens e acabamentos deram o tom do desfile. “A mulher que veste Ellus é guerreira, tem forte influência masculina e fica tão bem num jeans sujo quanto numa blusa levinha de voile transparente”, explicou Nelson Alvarenga, estilista da marca. Graças à personalidade de nossos estilistas e aos trabalhos mais “autorais” que eles vêm desenvolvendo, foi possível ver de tudo na SP Fashion. O japonismo, vertente da moda que abusa de elementos orientais, apareceu com mais força nos desfiles das grifes Walter Rodrigues e Patachou, por exemplo. O estilista Walter Rodrigues buscou inspiração nas batas e quimonos dos samurais e a designer Teresinha Santos, da Patachou, investiu em estampas étnicas e ideogramas chineses. Com tanta variedade, só fica fora de moda quem quer.

Dia de princesa
A modelo iniciante Viviane Boaron, da agência L’equipe, é de Campo Largo, Paraná. Mudou-se para São Paulo há duas semanas e a convite de ISTOÉ foi conferir a badalação da SP Fashion

HERING Ela parou no estande da marca, bancou a estilista e se divertiu ao costurar a própria camiseta

NÍVEA Carlos Carrasco, maquiador preferido de Gisele Bündchen, produziu a moça em menos de dez minutos

NOVO ROSTO Transformada, Viviane foi clicada por vários fotógrafos que perguntavam se ela era uma top model belga

TRAMA A moça se esbaldou na pista da gravadora ao som de música eletrônica

O rei das agulhas

Aos 30 anos, e com dez de carreira, o estilista Alexandre Herchcovitch é o que se pode chamar de um profissional realizado. É sempre o mais elogiado das passarelas brasileiras, já apresentou seis desfiles internacionais, faz parte do calendário oficial da moda francesa e acaba de “ganhar” da editora Cosac & Naify, a melhor de livros de arte no Brasil, um presente capaz de matar de inveja qualquer estilista renomado. Na quinta-feira 31, lançou seu livro Herchcovitch; Alexandre. A obra recapitula toda sua carreira e agitou as rampas do prédio da Bienal, onde aconteceu a 12ª edição da São Paulo Fashion Week. São ao todo 678 páginas, com mais de 600 imagens entre modelos, peças e fotos de arquivo pessoal do criador. A edição é limitada, com dois mil exemplares, a R$ 240 cada um.“O livro começa com a minha morte, com um atestado de óbito, e chega até meu nascimento. Vai desde as primeiras coleções até os modelos primavera-verão 2002”, conta o estilista. Ele apresentou sua coleção outono-inverno masculina na segunda-feira 28, e a feminina, na quinta 31.

Nas passarelas, Herchcovitch mostrou um bom clássico esportivo tanto para os homens quanto para as mulheres. Abusou das cores preta, verde e roxa, dos microbotões de festa e das saias sobre calças. Mais uma vez, arrasou. Fã inveterado de Herchcovitch, o editor Charles Cosac foi prestigiar o desfile e o lançamento e aproveitou para explicar o motivo do livro: “O Alê é nosso maior estilista. Sou tão fã dele que compro suas roupas mesmo estando um pouco acima do peso”, disse. “Guardo tudo em um saquinho plástico e coloco no armário. Se eu não emagrecer para usar, colocarei num museu de moda”, completou, com humor.