Vista do alto, a Terra é toda azul. O mar cobre dois terços do globo, com aproximadamente 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos de água em perpétua agitação. Habitam esse imenso reservatório líquido as principais formas de vida animal, dos fitoplânctons, microorganismos flutuantes que convertem a luz solar em alimento para a maior parte da fauna marinha, a mamíferos evoluídos como os golfinhos. No mar também sobrevivem as mais raras criaturas, que se escondem a três mil metros da superfície, onde os raios de sol não chegam, e a vida se mantém com a energia química retirada da matéria inorgânica. Tardiamente, o Brasil começa a desvendar o fundo de seu oceano.

De um mapeamento inédito de norte a sul do País, iniciado em 1994 e coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, estão emergindo seres bizarros, que desenvolveram características inusitadas para se adaptar às trevas e às temperaturas negativas das profundezas. Apesar do enorme interesse científico, o projeto é motivado por objetivos comerciais. A Convenção de Direito do Mar das Nações Unidas estabeleceu que os países costeiros só têm direito de explorar comercialmente os recursos marinhos dentro da zona de 200 milhas náuticas da costa (cerca de 320 km) se conhecerem o seu território. É o que o Brasil tenta fazer agora. A radiografia marinha envolve 35 universidades, cerca de 150 pesquisadores, 198 bolsistas, e o ano de 2004 foi fixado para a conclusão de um “atlas” do oceano. “Sem informações, ficamos numa posição diplomaticamente vulnerável no mercado internacional e perdemos uma participação efetiva na pesca”, destaca Fábio Hazim, coordenador das pesquisas no Nordeste. No ano passado, ele conseguiu com muita briga dobrar a cota brasileira de exploração do peixe espadarte, que tem o maxilar prolongado em forma de lâmina de espada. Quem ganha as maiores cotas quase sempre são os países que historicamente lideram a pesca. “O Brasil está defendendo o que é seu e abrindo oportunidades para inúmeras teses e estudos sobre as descobertas”, diz o francês Jean Louis Valentin, coordenador regional do programa.

Do material coletado até agora, há espécies nunca antes descritas pela ciência e outras que jamais foram avistadas em águas nacionais. O Anoplogaster cornuta, peixe negro de 15 cm encontrado no sul do Atlântico, tem os dentes tão grandes que ficam para fora da boca. Facilitam assim a captura dos alimentos, por serem difíceis de se enxergar na escuridão. Quem não tem dente, usa lanterna. O peixe Oneirodes notius possui uma espécie de varinha de pesca fosforescente presa à cabeça para atrair suas presas. Exageradamente grande, sua boca fica sempre aberta e tudo o que ali entra é lucro. “Os machos são anões de apenas 25 milímetros e nadam grudados às fêmeas para garantir a reprodução. No ambiente sem luz, os animais têm dificuldade para encontrar parceiros sexuais da mesma espécie”, explica Andressa dos Santos, bolsista do projeto e bióloga do Museu de Zoologia de São Paulo. Esses animais exóticos são algumas das 187 espécies coletadas entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro.

Entre o Rio e Salvador, identificaram-se cerca de 100 espécies de crustáceos. Algumas, como o camarão Aristeopsis edwardsiana, surpreendem pelo gigantismo: 20 centímetros de comprimento. Outras, como o caranguejo Neolithodes agassizi, pela esquisitice. “Ele tem o corpo coberto de espinhos da espessura e do comprimento de um alfinete, que servem de proteção contra os predadores”, observa o pesquisador Paulo Young, do Museu Nacional do Rio. A fauna é recolhida com redes de arrasto que atingem o fundo graças a estruturas de aço de meia tonelada presas às extremidades. Outro recurso é o espinhel de fundo, cabo de aço no qual se prendem cerca de três mil anzóis com iscas. As equipes contam ainda com um sistema de sondas que emitem ondas sonoras capazes de atravessar a coluna de água. Com base no eco que produzem, pode-se identificar o tipo de peixe e em que quantidade eles aparecem. O cruzeiro inclui quatro navios oceanográficos e cinco barcos pesqueiros, que passam três meses ao ano em alto-mar.

Mergulho – Abraçar esse misterioso mundo submarino não é privilégio dos cientistas. O Brasil tem cerca de oito mil quilômetros de costa, e em pelo menos 100 pontos do litoral a transparência das águas alcança até os quarenta metros de profundidade. O mergulho, portanto, é uma imposição. No topo da lista está a ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco, o maior aquário natural do País em quantidade e em diversidade de espécies. Em suas águas azuis desfilam impávidas moréias, tartarugas, raias, golfinhos, tubarões e uma infinidade de peixes ornamentais. O Parque Nacional Marinho de Abrolhos, na Bahia, vem em seguida, com cerca de 20 espécies de corais, a maior concentração do País. Pergunte aos instrutores de mergulho que animais o turista pode apreciar em cada um desses pontos, e eles dirão: todos. A mais colorida das tartarugas- do-mar, a Eretmochelys imbricata, ou tartaruga-de-pente, é comum em Fernando de Noronha e também no resto da costa. Sua carapaça pode atingir 1,15 m e seu peso de 150 quilos deve-se a uma dieta irrestrita, de ouriço e polvos a pedra e plástico.

Atrações – Alguns dos melhores pontos de mergulho da costa brasileira estão na reserva do Arvoredo, na cidade de Bombinhas, em Santa Catarina; em Ubatuba, Laje de Santos e Ilhabela, em São Paulo; em Ilha Grande, Arraial do Cabo e Cabo Frio, no Rio de Janeiro; e em Arabaianas e Pecém, em Fortaleza. De peixes ornamentais como o paru, que de tímidos não tem nada e, curioso, se aproxima do mergulhador, a estrelas-do-mar de dois palmos de diâmetro e cavalos-marinhos, tudo é uma surpresa. Assíduo em Ilha Grande e Ubatuba, o cavalo-marinho, Hippocampus kuda, sobrevive apenas três anos. Contrariando uma regra da natureza, são os machos que carregam os ovos da fêmea numa espécie de bolsa no tronco ou na cauda. Para os marinheiros de primeira viagem, extasiar-se com a beleza marinha pode custar entre R$ 100 e R$ 250 por mergulho com instrutor num fim de semana, fora o aluguel do cilindro de ar comprimido, que sai entre R$ 10 e R$ 15 por dia. “Nunca entre sozinho em águas desconhecidas ou com correntezas. Não faça movimentos bruscos, nem tente tocar os peixes ou levar algo do mar. Até uma concha vazia, que com o tempo se esfarela, serve de alimento no mar”, ensina o instrutor Pedro Paulo Orabona, dono da escola de mergulho Omnimare, de Ubatuba. O oceano agradece

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