Duas semanas depois de o corpo do prefeito de Santo André, Celso Daniel, ser encontrado crivado de balas em uma estrada de terra no município de Juquitiba, 15 cativeiros foram estourados, quatro carros apreendidos, pelo menos seis suspeitos presos – quatro deles no Pará, a partir de denúncias feitas por um militar da reserva. Testemunhas não foram convincentes, passaram a ser vistas com desconfiança e diversas versões para explicar o crime se tornaram públicas. Mas, até a sexta-feira 1º, a polícia não havia encontrado uma pista concreta que pudesse levar aos assassinos. A última aposta estava concentrada em um antigo bar na favela do Taquaral, em Diadema, cidade próxima de Santo André. Na quinta-feira 31, a polícia descobriu que o lugar pode ter sido usado pelos assassinos como um ponto de apoio para onde teriam levado o prefeito antes de executá-lo. No antigo bar, os policiais encontraram uma carta do seguro de saúde Sul América endereçada a Celso Augusto Daniel. Até 13 de novembro do ano passado, o prefeito mantinha um plano de saúde na seguradora e, caso a perícia constate a autenticidade do documento, a polícia terá, efetivamente, acertado o primeiro passo para chegar aos criminosos. Rastreamento telefônico indica que o celular de Celso Daniel passou pela região, depois de o prefeito ter sido rendido. Enquanto não encontra uma pista sobre a autoria do homicídio, resta aos policiais investigar a motivação do crime. Como todos disseram que Celso Daniel não tinha inimigos, a polícia vasculha os amigos.

A repercussão do caso e os seguidos alertas do PT para evitar que a investigação policial seja instrumentalizada para fins políticos provocaram uma inédita reunião na noite da terça-feira 29. Sentaram-se na mesma mesa o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da polícia paulista, Domingos de Paula Neto, o delegado Armando Costa Filho, responsável pelo inquérito, o superintendente da Polícia Federal de São Paulo, Ariovaldo Araujo, e outros delegados e agentes da PF que também investigam o caso. A conversa durou quatro horas e algumas revelações foram postas na mesa. Foi dito, por exemplo, que pessoas próximas ao prefeito, como o empresário Sérgio Gomes da Silva e o secretário de Serviços Municipais de Santo André, Klinger de Oliveira Souza, teriam trocado os telefones celulares logo depois de encontrado o corpo de Celso Daniel. Mesmo assim, alguns diálogos puderam ser registrados. “Estão me apontando como suspeito”, teria dito, irritado, o empresário Sérgio, numa conversa com Klinger. Ele foi rápido na resposta. Disse apenas, segundo a polícia, que o amigo ficasse tranquilo, pois nada havia contra ele. Os policiais também relataram que tão logo as tevês transmitiram uma entrevista de Ivone de Santana, namorada do prefeito, Klinger teria lhe telefonado tecendo elogios: “Foi bom você se colocar na condição de vítima e viúva.”

Isoladamente, cada uma das conversas expostas na reunião não significa absolutamente nada. Todos os delegados, no entanto, saíram do encontro convencidos de que não devem menosprezar a hipótese de o crime estar relacionado às máfias que estariam sendo contrariadas pela atuação do prefeito Celso Daniel. Em Santo André, mesmo entre os militantes petistas, o secretário Klinger é visto com bastante reserva. A começar pelos gastos com sua ostensiva campanha para vereador em 2000. Ele foi eleito com 9.092 votos, o segundo mais votado. “Pelo dinheiro que gastou, foi pouco voto. A imagem do Klinger estava mais presente na cidade do que a do Celso”, declara um vereador do partido que pede para não ser identificado. “Enquanto distribuía CDs para o eleitorado, a gente tinha de ficar ouvindo piadinhas de partidos adversários sobre a origem de todo aquele dinheiro”, acrescenta um militante. Klinger nunca assumiu sua cadeira na Câmara Municipal e no ano passado anunciou que seria candidato a deputado estadual. Seus planos, porém, não deram certo, não eram os mesmos do PT e nos últimos meses o secretário perdeu espaço político. “Se numa disputa municipal, choveram denúncias de suposto favorecimento a empresas de lixo e ônibus, o que poderia ocorrer caso ele viesse a disputar a Assembléia Legislativa em 2002?”, questiona Jaime de Almeida, diretor do Sindicato dos Servidores Públicos de Santo André. Para Klinger, um homem que se autodefine como “um tanto arrogante e prepotente”, não poder ser candidato teria sido um golpe cruel. Mas daí a dizer que o barraco interno envolvendo o secretário tem alguma ligação com o assassinato de Celso Daniel é um certo exagero. “O DHPP está agindo de forma adequada, mas há policiais que fazem pirotecnia e estão tentando transformar os amigos da vítima em réus”, reclama Vanderlei Siraque, deputado do PT, membro da Comissão de Segurança da Assembléia e coordenador do programa de Segurança do candidato José Genoíno ao governo paulista.

Enquanto a polícia corre atrás de qualquer pista e os políticos buscam um discurso para minimizar os estragos que a violência fará nas campanhas, a população assiste, indefesa, a um show macabro. Na noite de segunda-feira 28, o aposentado José Rodrigues Dias, 65 anos, e sua mulher, Lourdes, voltavam de viagem. Dias se perdeu e entrou na favela Funerária, na zona norte da capital. Perguntou a um morador como faria para retornar e foi advertido que estava em uma área controlada por traficantes, onde é regra o toque de recolher. Ao fazer a manobra de retorno, Dias foi friamente assassinado com um tiro no rosto. Enquanto o marido agonizava em seu colo, moradores da favela aconselhavam dona Lourdes a não procurar socorro, pois ela também poderia ser morta. No dia seguinte, com base em uma denúncia anônima, a polícia prendeu o traficante Luciano Preto. Mesmo assim, a Secretaria de Segurança insiste em dizer que não há em São Paulo área onde haja toque de recolher.

Limpeza já

"A polícia tem que ser limpa, aberta e transparente. Só assim sua imagem diante da sociedade mudará”, afirma o delegado João Matos, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia, que reúne 14 mil delegados das polícias Civil e Federal em todo o País. João Matos, 39 anos, é delegado em Goiás há 14 e considera o combate à corrupção prioridade absoluta. Ele acredita que a polícia pode acabar com os corruptos, mas a força impulsora do processo deve vir de cima. “Tem que haver um exemplo, uma vontade, uma decisão clara do governador que se espalhará pela cadeia hierárquica em todos os níveis.” Matos defende a idéia de que as corregedorias não devem ficar restritas à investigação de denúncias, assumindo ainda uma ação preventiva e educativa. Além do combate à corrupção, João Matos defende mudanças profundas na estrutura de segurança do Brasil. “Não pode é, em cada comoção nacional, como na morte do prefeito Celso Daniel, o governo trazer medidas tomadas de afogadilho, sem que os próprios policiais sejam consultados”, diz. Favorável à polícia única, de natureza civil, ele critica o substitutivo em tramitação no Congresso.

Paralelo

Rio de Janeiro tem sido pródigo em boas notícias na segurança pública. A cidade, porém, não se livrou do carma de violenta e, na semana passada, foi cenário de mais um episódio vergonhoso, mas sintomático para entender como o País sucumbiu ao estado paralelo. Cinco policiais militares foram presos acusados de sequestrar um traficante do morro São Carlos, no Estácio (zona central). Na segunda-feira 28, incitados pelo tráfico, moradores despencaram dos morros vizinhos para um grande protesto, enfrentando uma centena de PMs. Durante cinco horas, o caos se estendeu pelos bairros do Rio Comprido, Catumbi e Estácio. O comércio fechou as portas no meio do tiroteio entre policiais e traficantes. O quebra-quebra começou com um telefonema anônimo para a Associação de Moradores do São Carlos afirmando que Alex André Gomes (Dedé), 26 anos, suposto traficante, fora sequestrado e morto por policiais após receberem um resgate de R$ 500 mil.